HIPNOSE E RELIGIÃO

Quem observa o fenômeno religioso universal encontra um número muito amplo de ritos cultuais. Isto desde os tempos prehistóricos. Há relatos de que, já nos templos egípcios, sacerdotes, a serviço das mais diversas entidades, entravam em transe com cultos extáticos. Também no mundo semítico, profetas entravam em estado de transe, relatando suas experiências de contato com a divindade. Diversos povos, no ambiente do mundo bíblico, praticavam cultos em que o contato com o divino acontecia em situações de transe. No mundo grego, o culto eufórico ao deus Dionísio levava ao transe. Mesmo o ambiente nos templos dedicados ao deus Apolo, com cultos mais moderados, não era isento de transes. Era ali que as Pítias, em estado de transe, prediziam o destino dos homens. No início de nossa Era, o cristianismo se confrontou com inúmeras religiões mistéricas, ou místicas, em que os cultos, muitas vezes, induziam os seus fiéis a transes. Todo o fenômeno das “bruxas” druidas e das “bruxas” medievais na Europa central é uma questão de transes e estados extáticos. Na cultura muçulmana islâmica os sufis entram em transe com suas danças. Os cultos religiosos dos povos africanos e dos indígenas do Novo Mundo estavam impregnados por induções ao transe.

Como se pode perceber, o ambiente cultual, nas mais diversas religiões e em todos os períodos históricos, é propício a suprimir no homem a plena consciência racional de sua realidade terrena, procurando transpô-lo para um mundo místico de transcendência não-racional. Marx critica esta prática cultual das religiões como alienação. Neste estado cultual de sugestão, transe ou hipnose a pessoa se “liberta” das angústias e incertezas do mundo real, e é induzida a ignorar os limites e sofrimentos do dia-a-dia. E isto produz um sentimento de alívio e bem-estar momentâneo, cuja origem é atribuída ao mundo divino.

Neste ambiente cultural de inúmeros cultos de alienação surge o cristianismo, com a proposta de uma nova função para a religião e o culto divino. O Apóstolo Paulo, o principal estruturador do cristianismo, indica que o culto cristão deve ser um culto racional, e o verdadeiro sacrifício consiste em oferecer a Deus o dia-a-dia da vida corporal. Portanto, nada de alienações do mundo físico, nada de drogas, de transes ou hipnotismos nos cultos e na vida política. Ser cristão é praticar a solidariedade, a compaixão, publicar transparentemente a verdade, trabalhar honestamente para se sustentar. Os evangelhos ensinam que as conjeturas ocultas devem ser publicadas nos “telhados”, que a verdade liberta, que “quem não quiser trabalhar, que também não coma”. Portanto, líderes religiosos que “derrubam” fiéis em seus cultos, colocando-os em transe, ou os hipnotizando, com certeza, não o fazem porque foram ungidos com o poder de Deus. Nem estão animados pelo Espírito Santo. Inclusive, pela lei brasileira estão cometendo um crime. Pois o hipnotismo está regulamentado no Brasil. Somente psicanalistas, psiquiatras, médicos e dentista podem recorrer ao hipnotismo para fins terapêuticos. Por isto, é lamentável que charlatães religiosos, que se propõem animados pelo Espírito Santo, estejam praticando o hipnotismo em seus cultos, impunemente. Isto está amplamente documentado na internet . O Ministério Público deveria verificar isto, pois a liberdade religiosa não libera o crime nos cultos religiosos.

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Inácio Strieder é professor de filosofia - Recife.