GOSPEL MUSIC: uma questão de mercado
No artigo “A Marcha do Povo Doido”, tentei traçar um paralelo entre os artistas que estiveram nas fileiras da luta pela liberdade num país comandado pela ditadura militar e os que atualmente apenas sacodem os cérebros dos fãs. Parecia ser coisa apenas da música “secular”, mas...
Tenho diversos amigos evangélicos, dentre eles alguns pastores, que volta e meia me aconselham a “voltar” para Jesus. Dizer-lhes que Abba está comigo o tempo todo soa como ultraje, mas eu sempre digo assim mesmo. Creio que um ponto que inicialmente merece esclarecimento é que defendo a liberdade plena dos cultos e manifestações religiosas em nossa amada pátria. Nada mais prazeroso do que viver numa nação cujos preceitos magnos estão balizados na liberdade. Bom ver os terreiros tradicionais, com seus babalorixás, vivendo em harmonia com o catolicismo, ao lado de um templo evangélico, sem pendengas. Ao menos é assim que esperamos que fosse! Liberdade para que cada um cultue o(s) deus(es) que melhor alimente sua fé.
Minhas raízes são cristãs, cultivadas tanto no catolicismo, quanto no protestantismo. Fui de um tempo em que ainda tínhamos a EBD (Escola Bíblica Dominical), onde eu e meus amiguinhos alimentávamos a alma, com a Palavra, e o físico, com sonho recheado de goiabada, acompanhado de suco de uva. Também tinham as novenas na casa de minha vó, regadas a café com guloseimas nordestinas. Vale citar ainda, as noites de mistérios que sempre me despertava a curiosidade quando mainha, Dona Val, me levava para o candomblé de Itacaranha. Pura miscelânea religiosa, que certamente me ajudou a formar uma opinião livre de religiosidade e preconceitos.
Yeshua sempre me foi um companheiro presente. Não apenas em momentos difíceis, mas ao longo da trilha da minha existência. A percepção de Seu amor, creio, está explicito em tudo que respira sobre a terra, pois a vida é um ato de Sua majestade e existência. É humanamente impossível conceber que do nada viemos. E a fé, dentro desse processo, sem dúvida, nos valida o afeto.
“Tudo evolui”. Ouço muito esse jargão e, em se tratando de “fé gospel”, mais ainda escuto sobre as novas revelações, modelos, “Gs”, divisões, unções, “megaultrapluspop” pastores do poder, placas e mais placas de igrejas que surgem como salvadora da humanidade. É incrível, mas as que mais crescem são justamente aquelas as quais a doutrina está baseada na teologia da prosperidade: “dê, que Deus te devolverá”. O desafio da fé está resumido em medirmos a nossa experiência com o Pai, com base no que entregamos no altar, fora o 10%, claro!
Só um parêntese, quando ouço uma pregação como a que assisti outro dia, proferido pelo pastor Silas Malafaia, onde este dizia claramente que o telespectador deveria provar sua fé, doando uma mensalidade da casa própria, ou um mês de aluguel, ou, caso estivessem desempregados, com parte do que eles recebessem de “bicos”; lembro da descrição de vida dos seguidores de Cristo, na igreja primitiva. Lembro dos textos de Atos dos Apóstolos: “ninguém passava fome, ninguém passava frio, tudo era comum a todos”. Melhor! Tento imaginar o meu bom Jesus, com toda a sua humildade e amor, pregando para as criancinhas, sem ostentar ouro, nem prata, sem dizer a ninguém: “seu valor está no que você tem. O tamanho da sua fé está no modelo do seu carro zero”. É triste que os irmãos sucumbam ao capitalismo miserável que nos ensina a “prosperar” a todo custo. Existe um dito popular que diz: “quando morrer, não leva nada no caixão”. Ora, o próprio Deus vivo nos disse: “não junteis tesouros na terra onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam1”. Acho que os teóricos da prosperidade pularam essa lição.
Antes que vá mais longe, vamos retornar à música gospel...
Valeu a introdução, pois o cenário “gospel music” é totalmente refletido nos louvores atuais. Poder, fogo, gritos, choros, palavras indecifráveis, trombetas, pouco conteúdo bíblico e muito “coromantras”. Eis a receita pronta para emplacar mais um hit de sucesso. Tal qual o mercado secular (como é conhecido no meio evangélico, quem não faz música gospel), a força da mídia, capitaneados por empresários donos de rádios, TV´s e gravadoras evangélicas impõem o que deve ser “louvado”. Desta forma, proliferam nos mercados, digo, nas igrejas cristãs, toda sorte de batuque sem noção, cujo maior intuito é o de sensibilizar os fies (sensibilizar no sentido de deixá-los sensíveis mesmo), pois sabemos que uma pessoal neste estado é muito mais suscetível a todo e qualquer vento de doutrina e, principalmente, dominação.
Instaurou-se uma concorrência velada entre as placas, onde o famoso cantor gospel (geralmente ex isso, ex aquilo) virou o palhaço do circo, na verdade a principal atração (Jesus é um mero coadjuvante de picadeiro).
São válidas as manifestações religiosas, como a Marcha pra Jesus, há pouco tempo realizada em Camaçari, mas até mesmo aqui as bandas do município estão sempre em último anunciado, quase sempre resumidas num minúsculo: “e bandas locais”.
Aproveitando a deixa, devo entender que aquele “agradecimento” ao prefeito e ao futuro candidato a prefeito, não tem nenhum cunho político? Lutero e outros mártires da fé lutaram tanto para separar a igreja do estado (e vice versa), e hoje vemos bancadas, partidos, conchavos, todos querendo meter a colher nesta sopa... Só Jesus na causa!
Como disse, tenho vários amigos evangélicos que me convidam a ouvir a Palavra de Deus cantada. Sou taxativo, eles sabem, não ouço lixo gospel!
Calma, antes que me atirem as pedras, os convido a se deliciarem com os aconchegantes louvores dos Vencedores por Cristo, em minha opinião uma das melhores bandas do cenário cristão no mundo. Basta dizer que o VPC tem longos 43 anos de estrada e foi um dos grandes pioneiros do louvor brasileiro, numa época em que tudo que não fosse do “Cantor Cristão”, era do diabo! Ainda temos o Logos, Sérgio Pimenta, Embaixadores de Sião, Nova Dimensão, Rebanhão, João Alexandre, Guilerme Kerr, Josué Rodrigues, Sérgio Pimenta, MILAD, Grupo Semente, Life, Koinonya, Stenio Marcius, enfim, tem muito louvor comprometido com a Palavra, letra, música e melodia, mas pouco se ouvi falar sobre estes. Não há espaço na mídia gospel. Por que será?
Salve,
Caio Marcel (admcaio@gmail.com) é administrador de empresas e formado em capoeira regional, pelo Grupo de Capoeira Regional Porto da Barra. Também é responsável e mantenedor do Projeto Social Crianças Cabeludas, no bairro do Parque das Mangabas, Monte Gordo, Machadinho e Parque Satélite, em Camaçari.
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1 Matheus, 6:19
Artigo publicado no Protal Eletrônico Camaçari Agora: http://www.camacariagora.com.br/colunista.php?cod_colunista=17&cod_coluna=138