Hoje, Quarta-feira de cinzas, inicia-se a celebração do tempo quaresmal. Tempo de reconciliação, de renovação espiritual, tempo de santa alegria.
Há nesse tempo um conjunto de ritos, de leituras bíblicas, de celebrações que bem compreendidas e assimiladas ajudam a viver a subida para a Páscoa, que marca esse tempo santo.
Ouve-se dizer com freqüência que vivemos num mundo de pecado. Aliás a leitura das primeiras páginas da Bíblia (Gênesis) nos mostra a incapacidade de nossos protoparentes de resistirem à tentação. E isso acaba nos parecendo natural. Nessas condições, é às vezes difícil viver: ou uma espécie de fatalidade do pecado se apodera de nós e nós nos habituamos à desastrosa situação da falta, ou então vivemos mergulhados numa angústia sufocante, a de nossa condição humana. O “lembra-te que és pó, e ao pó hás de voltar”, que acompanhava a imposição das cinzas, ajudava a mostrar uma visão pouco positiva da criação – o mesmo se poderia dizer daquela leitura do Gênesis que refere ao pecado de Adão.
Penso ser preciso advertir para o fato de que não é tanto em Adão decaído que a quaresma aprecia a falta. Se fala dessa falta é antes para considerar o seu resgate realizado pelo Cristo. Sadio realismo esse da quaresma católica que entende que o abismo da falta precisa ser apreciado, mas se recusa a centrar nele a religião. O cristianismo não tem como centro o pecado, mas o Cristo vencedor do pecado e da morte. Na teologia da Quaresma a promessa da redenção é mais importante que o próprio pecado.
Na realidade, a Quaresma apresenta uma visão otimista do mundo. Aos que ainda não estão convertidos ela propõe o ingresso numa nova criação; aos que já se converteram, ela sugere uma revisão de vida, um passo adiante na divinização que lhes foi dada em princípio, mas que devem sempre realizar conscientemente e mais profundamente.
Para alcançar essa purificação, a Quaresma propõe uma ascese. Todavia, bem mais do que uma ascese artificial, bem mais que uma sobrecarga de observâncias, a Quaresma anima a todos os homens a que tenham a coragem sincera e leal de revisar seu modo de ser, de verificar em que ponto se encontram, o que querem, o que compreenderam até aqui. Esses quarenta dias vividos com Israel no deserto, com Moisés, com Elias e sobretudo com o Cristo, são um período profundamente espiritual.