MEU AMOR A DEUS

Engraçado, quando amamos uma pessoa a nossa tendência é fazer uma declaração pomposa, de preferência ajoelhado e afirmando que o sentimento é para a vida toda.

Com relação a Deus não surge um desejo dessa natureza, e para alguns o próprio Deus não existe, é uma invenção de mentes preguiçosas.

Confesso que também passei por essa fase. Cheguei a duvidar da existência de Deus e da efemeridade da vida; de que fui criado por um acaso cósmico e que logo mais nada restaria de mim a não ser alguns ossos que poderiam perdurar por um maior tempo como tais até ser totalmente desintegrado como as outras demais partes do meu corpo.

Por muito colocar minhas dúvidas em dúvida, cheguei a concordar com Sócrates, que só sei que muito pouco sei; que minha evolução no conhecimento parece servir para descobrir cada vez mais minha ignorância. A minha soberba em pensar que eu era um fruto do acaso cósmico fez eu pensar ao olhar na minha garrafa de refrigerante que tinha na minha frente na hora de redigir esse artigo um elemento cognitivo interessante. Um ser humano criou essa garrafa com seu conteúdo e rótulo da forma que eu a vejo agora. Se eu a jogasse fora e continuasse sentado na mesa esperando que o acaso pudesse criar outra garrafa nas mesmas condições, quanto tempo eu teria que esperar? A minha inteligência aponta que eu teria que usar toda a minha infinidade de vida a espera desse momento. No entanto um outro raciocínio diz que em determinados bilhões de anos eu pude ser formado e estar sentado na mesa a espera do fenômeno da garrafa. Ora! Qual o elemento mais complexo? Eu ou a garrafa? Então porque o meu raciocínio aceita a impossibilidade da garrafa surgir do acaso e aceita a possibilidade do meu surgimento como um elemento mais complexo?

Eu poderia entrar então num raciocínio circular. A garrafa poderia ser formada. Caso a minha consciência ficasse naquela mesa pelo tempo suficiente, veria a formação do ser humano depois de bilhões de anos e em algum momento ele produziria uma garrafa como aquela e a colocaria na minha frente. Então, o acaso que pode criar um homem, mas não pode criar uma garrafa diretamente, necessita sim, da existência do homem para a garrafa ser criada. Então eu seria o criador fazendo coisas secundárias com objetividade. No entanto o elemento mais complexo, o homem, foi fruto do acaso. Não teve necessidade de um Criador. Isso me parece uma forte incoerência! Se a garrafa tivesse consciência, iria me reconhecer como o seu criador e não o acaso. Então, eu, como criatura, devo reconhecer o acaso como o meu criador? Mas se o acaso não pode criar uma simples garrafa sem a minha participação enquanto criatura?

Eu poderia voltar vezes sem fim a circularidade do raciocínio, o acaso criou o homem que por sua vez criou a garrafa e por lógica formal, o acaso é criador indireto da garrafa. Confesso que a lógica é atendida, mas alguma coisa ainda se recusa a aceitar que a garrafa possa ter um criador identificado e eu como um ser mais complexo, não!

Posso até ser taxado de orgulhoso por não querer me equiparar à garrafa e procurar um Pai que não seja o acaso. Uma inteligência cósmica que atue com intencionalidade. Claro que não vou esperar encontrar do outro lado do Universo um velhinho de barbas brancas que atende pela alcunha de Deus. Nem mesmo aqui próximo um outro ser careca ou barrigudo que é capaz de construir uma garrafa. Tenho que procurar a sua expressão na beleza e funcionalidade da Natureza, assim como encontro o criador da garrafa na expressão física da própria garrafa.

Eu sou a expressão da Sua existência. Todos os outros aspectos da Natureza, também são expressões da sua inteligência. Como a garrafa não consegue me captar como o seu criador, por simples incapacidade cognitiva que os seus diversos átomos organizados em moléculas e em formas não conseguem atingir, assim também eu não consigo identificar de forma objetiva a imanência da existência do meu Criador em tudo ao meu redor e dentro de mim, por minha incapacidade cognitiva.

É esse sentimento, agora de natureza transcendental, que faz eu sair do círculo vicioso do pensamento racional com toda sua lógica e adquirindo uma outra lógica que respeita toda metodologia científica, mas reconhece sua incapacidade de alcançar esse outro nível de compreensão.

Assim eu olho para a Natureza e passo a perceber em todas suas formas e efeitos as expressões da inteligência do meu Criador. Assim como amo os meus pais biológicos com uma força inerente à minha própria formação biológica, passo a amar a Deus, essa inteligência cósmica, com uma força muitíssimo superior. Reconheço a minha filiação divina e não tenho mais vergonha de olhar para as estrelas e sorrir para elas; de ouvir o barulho do mar e me sentir acalentado; de sentir o sofrimento do irmão e chorar junto com ele; de amar ao próximo com tanto ardor como se estivesse amando a mim mesmo; de entrar em qualquer igreja, em qualquer tipo de culto e junto a qualquer devoto agir como irmão que ama o mesmo Criador; de fazer uma oração como uma declaração de amor ao Pai, a cada dia, agradecendo por minha existência, pelo dom que ele me deu de o reconhecer como Pai, de jamais me sentir órfão neste vasto espaço cósmico.

Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 11/01/2012
Código do texto: T3434043
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