NA CASA DE MEU PAI HÁ MUITAS MORADAS
“NA CASA DE MEU PAI HÁ MUITAS MORADAS”
O TRIUNFO DA VIDA SÔBRE A MORTE
HUBERTO ROHDEN
Assaz misteriosas são estas palavras de Jesus – e mais enigmático ainda é o contexto em que elas foram proferidas.
Segundo a velha rotina, deveríamos, nesta ocasião, arvorar-nos em advogados da “pluralidade dos mundos habitados” e apresentar o Nazareno como patrono dessa ideia avançada. Entretanto, outro assunto bem mais importante nos interessa.
Na última ceia, quando os discípulos estavam tristes por causa da próxima partida do querido Mestre, ele os consola com estas palavras: “Em casa de meu Pai há muitas moradas; se assim não fosse, vô-lo teria dito. Eu vou para vos preparar um lugar; voltarei e vos levarei comigo, para que vós estejais onde eu estou”.
O discípulo místico, João, foi o único a registrar este tópico. Ele, o clarividente, deve ter penetrado no sentido profundo destas palavras.
Jesus consola seus discípulos com a afirmação de que em casa de seu Pai, no universo de Deus, há numerosas moradas, ou, como diz o texto grego, “mansões” ou “paradas”(monai), quer dizer, estágios ou lugares de permanência onde o homem possa viver, mesmo fora do seu corpo material.
Não sabemos se Jesus se referiu a lugares físicos, como planetas, astros para onde o homem seja transferido depois de deixar este planeta Terra – ou se falou em estados de consciência ou modos-de-ser, sem nenhum plano material.
Em todo o caso, o Nazareno afirma duas coisas importantes: 1) depois de perder o seu invólucro físico, o homem não cai no vácuo do nada, como pensam os ingênuos materialistas de todos os matizes, 2) que o homem, depois de abandonar o corpo material, não entra num estado definitivo, como opinam certos teólogos eclesiásticos. Afirma o Mestre que as “moradas” são muitas, insinuando que o homem, liberto do corpo, entrará numa zona correspondente ao estado da sua evolução ou vibração espiritual. Se, por exemplo, considerarmos a nossa Terra como a “morada” de vibrações grosseiramente materiais, ou seja, de baixa frequência, consoante o corpo físico e seus derivados, poderíamos considerar o mundo após-morte como uma sucessão de diversos tipos de frequência vibratória, astral, mental, espiritual, etc.
O homem liberto do corpo material não está, ipso facto, livre das tendências materiais que predominaram em sua vida terrestre. A morte não faz dele o que a vida não fez. O simples fato físico da separação do corpo e da alma, processo negativo, nunca poderá ser causa duma evolução espiritual.
O efeito não é maior que sua causa, diz a lógica. Um processo material não produz efeito espiritual. Por isto, pode um homem sem corpo físico ser tão materialista no além como materialista foi no aquém. E, como essa obsessão da matéria é essencialmente ilusão e infelicidade, pode um desencarnado ser tão iludido e tão infeliz como oi dentro do seu corpo material.
A grande libertação, penhor de felicidade, é um processo de lento e constante crescimento, um paulatino afastamento do erro e a uma progressiva aproximação da verdade. A luz da verdade amanhece na razão direta em que as trevas da noite desaparecem. Essa libertação é um “caminho estreito e uma porta apertada”, cujo termo final é a “entrada no reino de Deus”.
“Para que vós estejais onde eu estou”...
Estas palavras fazem ver que o homem pode chegar às alturas onde o Cristo está. Potencialmente, todos somos “Cristos”, atualmente um só chegou a ser o “filho do homem”, o homem completo, integral, o “filho unigênito de Deus”. “O sangue de Cristo nos libertará de todo o pecado” – se o nosso sangue chegar a ter a pureza e vibração espiritual que teve e tem o sangue de Jesus, seremos libertos de todo o pecado, porque o sangue do tipo do sangue de Jesus não tem tendências contrárias ao espírito de Deus; o divino Lógos que “crismou” ou “cristificou” o humano Jesus penetrou a tal ponto o sangue dele, que este se tornou perfeito e dócil veículo do espírito de Deus.
“Eu vos preparei um lugar”...
Estas palavras de Jesus nos põem em face de um grande mistério. Que quer dizer “preparar um lugar”? Evidentemente, não se trata de preparar um lugar como quem prepara uma sala de festa, dispondo devidamente as cadeiras para os convidados se sentarem. As tais “moradas” não são lugares físicos, mas estágios evolutivos da consciência e experiência humana. Logo, essa preparação não pode ser um arranjo físico, local, geográfico ou astronômico, em algum recanto longínquo do universo.
Mas, como pode alguém preparar a evolução espiritual de outro?
Em primeiro lugar, ninguém pode transferir a outra pessoa a sua própria experiência íntima. Nem Jesus o conseguiu, relativamente a seus discípulos.
Mas, apesar disto, pode o Mestre preparar seus discípulos no caminho da sua evolução ascensional. E essa preparação pode ser feita de dois modos: 1) por meio de palavras audíveis, que atingem os sentidos, passam para a inteligência e, indiretamente, influem sobre a alma, 2) por meio de vibrações ou auras invisíveis que irradiam sem cessar do homem espiritual e envolvem o discípulo, formando ambiente propício para que a sua espiritualidade latente desabroche em espiritualidade manifesta, assim como os raios solares despertam na semente viva o princípio vital dormente e fazem nascer à planta.
Essa vibração ou verbo, essa aura, esse sopro ou hálito do Cristo também se chama “espírito santo”, isto é, “sopro universal”.
Uma vez que essa aura propícia cerca o homem, se ele for devidamente acessível e permeável para essa vibração, começa ele a compreender, por uma espécie de iluminação interna o que, outrora, não compreendida. toda a verdadeira compreensão é uma iluminação ou revelação de dentro, e não uma persuasão ou um impacto de fora.
Enquanto o Jesus visível estava com os discípulos, confiavam eles nesta presença material; depois, quando esta lhes faltava, começaram a desenvolver em si a receptividade espiritual, que culminou nos gloriosos acontecimentos dos Pentecostes.
Quarto volume da “SABEDORIA DO EVANGELHO”