MONGES HOJE?
Monges já existiam na Antiguidade. A partir de 1947 conhece-se o Mosteiro de Qumran, localizado às margens do Mar Morto, fundado há cerca de 150 anos antes de Cristo. Este Mosteiro foi destruido pelos soldados romanos, depois da conquista de Jerusalém pelo General Tito no ano 70 d.C. No Oriente são célebres, até hoje, principalmente os monges budistas, reclusos e celibatários como os monges cristãos do Ocidente. Considera-se como Pai do monaquismo Ocidental São Bento (+ 547), e berço deste monaquismo a região de Monte Cassino, na Itália.
Monte Cassino consta nas atas dos pracinhas brasileiros como o maior sucesso de nossas tropas na II Guerra Mundial. Em nossos livros de história apenas se fala da heroica participação dos soldados brasileiros no desalojamento dos nazistas e fascistas instalados em Monte Cassino. Nada se diz se os soldados brasileiros também participaram da chacina da população, por participantes das tropas aliadas, nos entornos de Monte Cassino. Mas deixemos de lado as atrocidades e descrições polêmicas da II Guerra Mundial. Pois aqui, nesta reflexão sobre os monges, só interessa a presença de monges no Mosteiro de Monte Cassino, desde a época de São Bento. E, como São Bento é o primeiro a reunir monges a seu redor, dando-lhes uma regra a seguir, fazendo-os viver uma vida comunitária, Monte Cassino é considerado o berço do monaquismo ocidental. Como a pergunta é, se ainda hoje há lugar para monges no mundo ocidental, é preciso fazer algumas considerações sobre os monges dos primeiros tempos. O que farei a seguir.
No século VI d.C. juntou-se a São Bento, no Monte Cassino, um grupo de homens com a finalidade de viver imitando as primeiras comunidades cristãs, conforme consta nos Atos dos Apóstolos: "Eles perseveravam na doutrina dos Apóstolos, nas reuniões em comum, na fração do pão e nas orações... Todos viviam unidos e tinham tudo em comum" (At 2,42.44). A exemplo do Apóstolo Paulo (cf. 1Cor 9,4.6.15; At 18,3) os Irmãos da comunidade de São Bento renunciaram ao casamento e ganhavam o sustento com o trabalho das próprias mãos. Seu lema fundamental passou a ser: "Ora et labora" (reze e trabalhe).
Um Monge para os Hóspedes.
São Bento manda acolher os hóspedes e peregrinos como se fossem o próprio Cristo. Para efetivar este desejo do Fundador, as comunidades beneditinas encarregam um padre ou irmão para tratar dos hóspedes, que ainda hoje se diriigem numerosos aos mosteiros para retiros ou descansos espirituais. Confesso que, quando me hospedei pela primeira vez num mosteiro beneditino, me impressionou profundamente a simpatia com que fui recebido. Em casa religiosa alguma, por onde tinha passado, havia sido recebido com tanta simplicidade e amor cristão. Quando na despedida, após 8 dias de vida monacal, quis pagar as minhas diárias, o "Padre Hospedeiro" nada quis aceitar. Com minha insistência aceitou uma contribuição, o que, evidentemente, é indispensável que se dê, pois também os monges precisam de contribuições para viverem, mesmo que trabalhem desapegadamente para o sustento próprio.
O dia do Monge
O dia do monge divide-se entre a oração e o trabalho. Deus é o polo central de suas atividades. Na oração como no trabalho pretende, com fé viva e consagração total, servir e amar a Deus. Concretiza o "ora et labora" sob os olhares constantes de Deus. E nas atividades apostólicas procura tornar este lema caminho para o povo.
Conforme determinação do Fundador, os beneditinos não são "Ordem Mendicante", i.é, monges que vivem de esmolas. Seu sustento deve provir do trabalho manual: "Comerás o pão com o suor de teu rosto" (Gn 3,19). Portanto, no ganho deste pão, seguem o mandato do Criador: ""Cultivar e conservar a terra" (Gn 2,15).
O dia do monge começa cedo. De acordo com as localizações geográficas dos mosteiros, pelas cinco horas da manhã a comunidade desperta ao som duma sineta. Logo após reúne-se na capela para as orações matutinas e a celebração eucarística. Depois de um simples café da manhã, cada qual dirige-se ao lugar de trabalho. Os padres reúnem-se mais algumas vezes ao dia para cantarem (ou rezarem) o Ofício Divino. Diversos deles atendem depois os fiéis na Igreja do Mosteiro, no próprio mosteiro, ou em locais e igrejas nos arredores, confessando e celebrando a Eucaristia. Em seguida retornam ao Mosteiro, onde se integram novamente à oração e ao trabalho da comunidade.
Durante o almoço e a janta,, a comunidade alimenta também o espírito, ouvindo em silêncio a leitura de trechos da Bíblia e de outros livros edificantes. Aliás, o silêncio serve ao monge como um meio de interiorização e de constante união com Deus.
Pelas 20 horas, a comunidade reúne-se, mais uma vez, na sala de reuniões da comunidade, chamada de Sala do Capítulo, para a oração da noite, a qual se encerra com a bênção do Abade ou do Superior da casa. Conforme antigo adágio, ir dormir e levantar com os monges significa deitar-se e levantar-se cedo, de madrugada. Para os monges, em geral, o deitar-se e levantar-se cedo ainda continua válido, pois, após a oração da noiite, os monges se recolhem, cada qual à sua cela (quarto), e o "ora et labora" daquele dia está oficialmente encerrado.
Vida familiar
A autoridade suprema do Mosteiro é o Abade, que é respeitado como o Pai da família religiosa. O termo "abade" deriva da palavra hebraica "ab", que significa pai. Até hoje o cargo de Abade é vitalício nos mosteiros. o Abade somente pode ser deposto por abusos graves, ou deixar o cargo por renúncia. O Abade, eleito pela comunidadde, é consagrado pela Igreja para exercer esta função. Com as reformas na Igreja, propostas pelo Concílio Vaticano II, houve iniciativas para acabar com a vitaliceidade dos Abades. O que, de fato, poderia contribuir para a harmonia de algumas comunidades monacais. Os monges, em geral, submissos ao Abade, são considerados os filhos da casa. Sob a orientação do Pai, e no convíviio fraterno, buscam forças espirituais para os seus trabalhos. A estrutura e a união familiar dos mosteiros sempre quis ser um exemplo vivo para as demais famílias cristãs.
Agentes do progresso
Nos inícios, todos os mosteiros estavam cercados por propriedades rurais, donde os monges tiravam seu sustento. No início da Idade Média, as populações rurais, da Alemanha e de outras regiões da Europa, fixavam moradia ao redor dos mosteiros. Nas horas de perigo as populações encontravam refúgio atrás dos muros do mosteiro. Dos monges aprendiam o cultivo da terra, o melhoramento de suas sementes, e o aperfeiçoamento na criação de animais. Além disto, os mosteiros abrigavam em seus muros, geralmente, uma escola, propagando, conservando e desenvolvendo a cultura ocidental. Por longos anos medievais eram os mosteiros os únicos núcleos europeus onde a população podia aprender a ler e a escrever. Dos mosteiros partiam também os missionários para converterem as populações ainda pagãs. Na Alemanha são especialmente conhecidos neste trabalho de evangelização e conversão os santos Ludgero e Bonifácio, que batizaram inúmeros grupos germânicos.
Além do trabalho, do ensino e da irradiação do cristianismo que partiu dos mosteiros, bom número de cidades europeias tiveram origem ao redor dos mosteiros. Ainda em tempos relativamente recentes, principalmente na Europa, alguns mosteiros continuavam sendo núcleos de aperfeiçoamento do trabalho rural. Contudo, com a industrialização cada vez maior, os monges não acompanharam mais o intenso progresso na agricultura. Na história europeia, no enttanto, os monges ocupam merecidamente um lugar de destaque no progresso da cultura agrícola e na formação cultural do povo.
Adaptação pós-conciliar
As resoluções do Concílio Ecumênico Vaticano II atingiram também a vida monacal (e conventual) em suas estruturas. Parece-me que a própria subsistência de tais formas de vida cristã depende, em grande parte, de sua capacidadde de renovação e adaptação às exigências do momento histórico em marcha. Nesta adaptação não se trata de acabar com as comunidades monacais, mas de vivificá-las, ressuscitando a vitalidade dos princípios cristãos que motivaram a sua fundação. O "ora et labora", com certeza, permanece hoje um princípio fundamental de vida cristã. Vida comunitária, respeito familiar, hospitalidade, atendimento aos necessitados, criação e promoção de uma cultura humanizada, etc... são valores cristãos insubstituíveis e, como tais, jamais poderão deixar de ser preocupações de todo cristão, e em especial dos cristãos que optam por uma vida de perfeição, como os monges. Assim permanece a esperança de que também no futuro se constituirão numeros grupos que se propõem viverem intensivamente de acordo com estes valores: unidos em orações, na fração do pão e no trabalho humanizado e cristão. A grande pergunta é: como realizar este ideal nos nossos dias? Para encontrar a melhor forma de realiizá-lo, Deus também espera a contribuição de nossa razão. Com certeza, muitos monges estão conscientes disto e procuram honestamente, fiéis às suas tradições, novos caminhos, que conttinuem dando pleno sentido à sua vida monacal. Sem esta busca sincera sabem que muiitos de seus mosteiros, em breve, não passarão de belos museus, testemunhos de gloriosos tempos do passado. As cmunidades religiosas de nosso tempo devem sempre mais evidenciiar, também aos leigos, as características de comunidades de fé viva, unidas pelo trabalho, pela simplicidade, pela oração, tendo tudo em comum. Nenhuma comunidade cristã, e muito menos os mosteiros, podem hostentar seu valor pelas propriedades que possuem, ou pela altura dos muros que os cercam e os isolam do mundo exterior.
Conclusão
Vejo com otimismo as novas luzes que animam a vida religiosa do nosso tempo. Não são mais as orações e cantos em latim e os hábitos que caracterizam os monges. O hábito nunca fez o monge, e sim a vida simples e austera em comunidade. E esta característica continuará a existir, pois "onde dois ou três se reunirem em meu nome", diz o Mestre dos Mestres, "eu estarei no meio deles" (Mt 18,19-20). Podemos confiar de que, também no futuro, a mensagem do Evangelho levará irmãos de fé a renunciarem a direitos legítimos e a bens da vida humana para se reunirem em comunidade, onde a vida se transforma em conversa com Deus, e onde o exemplo de um irmão anima ao outro a seguir os passos de Cristo, que são luz para os homens.
_____________________________________
Inácio Strieder é Professor de Filosofia - Recife/PE