O PAPA DE CALCINHA - PAPISA JOANA
O próprio Vaticano não revela nenhuma lista como sendo oficial de todos os Papas que comandaram a Santa Sé. Mistérios e especulações rondam Roma desde que ela se tornou a sede religiosa da Igreja Católica; e quando o assunto é a lista de Papas, aí a coisa fica ainda mais obscura e incrédula.
Uma das perguntas intrigantes é: - Quem foram João XX, Martinho II e Martinho III? Eles jamais existiram! Os Papas Félix II e V na verdade foram anti-Papas e a igreja tenta até hoje omitir este nome “Félix” de sua lista oficial de pontífices. João XVI também não era o mais entusiasta da carreira e pregou a vida inteira a sua insatisfação quanto ao papado, da mesma forma que Bento X, Clemente XIV, Inocêncio XIII e Leão XIII. A lista dos inconformados com a eleição papal é enorme; começa no ano 200 com o Papa Natálio, chegando a Félix V em 1449 e no meio desta baderna papal foram mais de 40 Papas que faziam oposição aberta a outros nomes e ao cargo; uma ferida tão grande que a Santa Sé teve que tolerar esta cicatriz até a canonização de muitos deles.
Mas de todas as histórias que cercam o Vaticano a que mais me intriga é saber se houve ou não a Papisa Joana, que teria governado no palácio dos Papas por 2 ou 3 anos. Alguns dizem que é uma lenda, outros atestam categoricamente que se trata da mais pura verdade.
A história original diz que tudo começou no final do Século IX, mas os mais renomados historiadores afirmam que Joana foi Papisa na época da confusão da Diocese de Roma; o ano não se sabe ao certo, porque todos os relatos fora da biblioteca do Vaticano foram queimados e os da Santa Sé, estes ninguém tem acesso; mas presume-se que entre o ano 850 e 1100. Uma crônica original do Século XIII sustenta a mesma tese dos historiadores.
No livro Die Papstin da romancista estadunidense Donna Woolfolk Cross a Papisa teria nascido em Constantinopla e se fez passar por homem para fugir das perseguições impostas pela própria igreja em relação ao aprendizado das mulheres; o romance descreve uma mulher altamente culta com alto grau de entendimento em filosofia e teologia. Ela teria chegado a Roma e se apresentado como monge e seus doutrinadores ficaram boquiabertos com tamanha sabedoria. Com a morte de Leão IV assumiu o Trono de Pedro com o nome de Leão VII. Ainda nos conta o romance polêmico que Joana ou Leão VII, belíssima e inteligente, seduziu um de seus protetores da Guarda Suíça e teria engravidado.
Martinus Oppaviensis, cronista e Arcebispo nomeado pelo Papa Nicolau III no Século XII afirmou em seus escritos que a Papisa Joana era alemã e filha de ingleses; segundo o clérigo ela primeiro se apaixonou por um monge e foram morar na Grécia e com o nome de Johannes Angelicus, teria então ingressado no mosteiro de São Martinho; conseguiu ser nomeada Cardeal, ficando conhecida como João, o Inglês. Segundo as fontes, João, em virtude de sua notável inteligência, foi eleito Papa por unanimidade após a morte de Leão IV.
As duas histórias divergem quanto a origem de Joana, mas convergem no ponto de Leão IV; outra convergência é que os dois autores, a moderna e o antigo, afirmam que apesar de ter sido fácil ocultar sua gravidez, devido os indumentos folgadas dos Papas, acabou por ser acometida pelas dores do parto em meio a uma procissão numa rua estreita, entre o Coliseu de Roma e a Igreja de São Clemente, e deu à luz perante a multidão atônita e incrédula.
As duas versões também dizem que uma vez descoberta, Joana foi acusada de profanação ao Trono de Pedro; julgada sumariamente, ela fora amarrada a cavalos e apedrejada até a morte. Mas ainda há uma terceira versão para a morte da Papisa; relatos não creditados a verdade dizem que um grupo de monges teria feito o parto em seguida ela teria morrido devido a complicações e os religiosos acreditado ter se tratado de um milagre.
O primeiro a suscitar a existência de uma Papisa foi Esteban de Borbón ainda no Século VIII; teólogos e enciclopedistas da época afirmaram que as publicações de Borbón eram levianas e infundadas. Somente em 1886 o primeiro romance foi publicado pelo escritor grego Emmanuel Royidios.
É mais do que óbvio que nenhum pertencente à Santa Sé, sobretudo os da administração central, fosse defender qualquer traço de veracidade nas histórias da Papisa Joana. Qualquer um integrante da Igreja tinha interesse em negar a ascensão escandalosa de uma mulher ao trono de São Pedro, devido à intensa misoginia característica da Igreja medieval.
Uma das fianças mais interessantes da vivência de Joana, a Papisa, é um decreto publicado pela corte de Roma, proibindo que se colocasse Joana no catálogo dos papas: “Assim, acrescenta o sensato Launay, não é justo sustentar que o silêncio que se lançou sobre essa história, nos tempos imediatamente posteriores ao acontecimento, seja prejudicial à narrativa feita mais tarde. É verdade que os eclesiásticos contemporâneos de Leão IV e de Bento III, por um zelo exagerado pela religião, não falaram nessa mulher notável; mas os seus sucessores, menos escrupulosos, descobriram afinal o mistério.”
Genebardo, o Arcebispo de Aix-em-Provence, França, notável por seus escritos clássicos, afirma decisivamente que, durante perto de dois séculos, a Santa Sé foi ocupada por papas de uma imoralidade tão espantosa que eram dignos de serem chamados apostáticos e não apostólicos, e acrescenta que as mulheres governavam a Itália e que a cadeira pontifical se transformara numa roca, alusão clara do que praticamente elas faziam na época. E, com efeito, as cortesãs Teodora e Marósia dispunham, segundo o seu capricho, do lugar de vigário de Jesus Cristo e colocavam no trono de São Pedro os seus amantes ou filhos ilegítimos.
Quem pensa que as histórias envolvendo mulheres no Trono de Pedro começam e terminam com a Papisa Joana está radicalmente enganado; dezenas de outras envolvendo orgias, sexo aberrante, dentre outras tipificações de atos análogos, podem ser observadas ao longo da história. Relatos apontam outras mulheres se vestindo dos indumentos sacerdotais do Vigário de Roma, incentivadas pelos próprios pontífices, como uma espécie de fetiche.
O que ocorrera dentro e fora dos muros do Vaticano em épocas remotas a atual pouco consegue discernir entre o que foi e o que é a Igreja hoje. Do ponto de vista lógico, político e ético; evidenciando que uma mulher é igual a um homem, eu não vejo mal algum acaso fosse verdade a história da Papisa Joana. Se ela teve ou não um caso amoroso com um soldado da Guarda Suíça, pouco a qualifica como herege, porque pior mesmo é vermos abertamente hoje, padres, bispos e até relatos de cardeais que mantêm romances cujo pilar é da pedofilia e mesmo assim a Santa Sé os qualifica como sendo homens de Deus.
Sabemos bem que dezenas de Papas viveram apenas para roubar, matar e humilhar as pessoas; tudo isso em nome de um Deus que era particular, somente deles. Sabemos bem, porque é história e não podemos negá-la jamais, que a Santa Sé sempre se apoderou das coisas alheias desde a sua pseudo fundação e permanece fazendo o mesmo até hoje. Da mesma forma que sabemos que não é somente a religião católica que pratica crimes absurdos aos olhos de todos sem nenhuma punição. Afirmar que a Papisa Joana não existiu é algo plausível, porque também estamos acostumados a evidenciar os rumores que denegrecem a imagem; mas colocá-la como criminosa; usurpadora ou qualquer outro rótulo aziago é quase o mesmo que afirmar a sua existência diante da fragilidade e vulnerabilidade da própria igreja.
Se ela é uma igreja dos apóstolos de Cristo e segue uma linha de doutrinas cristãs; para se distanciar da misoginia, precisaria ter havido entre Jesus e seus apóstolos um documento que corrobore com este dogma aplicado até hoje; assim sendo, acaso tenha existido a figura da Papisa Joana, esta para mim é tão legítima quanto o é Bento XVI!
Carlos Henrique Mascarenhas Pires é editor do Blog www.irregular.com.br