Sobre Lutero e Leonardo Boff
Talvez em toda história da igreja católica não tenha havido espíritos mais sensatos do que o do Sr. Lutero e o Sr. Boff. O primeiro era alemão e viveu no século XVI. Nos livros de história é apresentado como reformador e ninguém provou melhor do que ele a fama e o ódio. Leonardo Boff é brasileiro de Santa Catarina e vive até os dias de hoje. Teólogo renomado é agraciado cotidianamente pela mídia e seus muitos leitores. Mas o que tem em comum nessas duas almas honestas e tênues? Ora, o mundo nem sempre muda, pois o que há de comum entre os dois, nada mais o é que a sempre antiga e sempre nova inquisição.
A inquisição nasceu em Verona, no ano de 1184. Sob a presidência de Lúcio III (1181-1185) e na presença do imperador Francisco I, o Barbaroxa. Ali se reuniu uma assembléia de eclesiásticos e leigos, à qual alguns historiadores deram o nome de concílio. Este concílio estabeleceu, com a benção do Papa, para toda sociedade cristã, os governantes eclesiásticos e leigos a obrigação de inquirere, isto é, de investigar a existência de hereges, simpatizantes deles ou patrocinadores. O documento pontifício que sanciona a inquisição estabelece uma radical perseguição, prisão e morte dos chamados hereges (diferentes).
Como se sabe, a inquisição é uma invenção absolutamente cristã destinada a vigiar, punir e matar. Sua atividade foi impressa por toda a Europa, com a aprovação dos doutores, os elogios dos bispos, os privilégios dos reis e a benção dos Papas. Ainda hoje ela existe. Tem outro nome, para não percebermos seus horrores tão extravagantes e tão abomináveis, que tanto no século XII, quanto no século XXI, para os fanáticos, nada se parece mais edificante e mais natural.
De resto, conhece-se bem todas as regras processuais do tribunal do santo ofício (a inquisição), e sabe-se como foram seus métodos de tortura e seus inúmeros assassinatos, guiados, quase sempre, por uma razão cega e denúncias caluniosas. Para o réu do santo ofício as penas eram várias: Seus bens poderiam ser confiscados. Seus nomes apagados de atas, documentos e inscrições, excluindo qualquer reminiscência de suas pessoas, seguindo pela confiscação dos bens e, finalmente, a definitiva marginalização do herege, ou suspeito de heresia. Ser inquirido pelo santo ofício causava para a pessoa incalculáveis conseqüências sociais, além da morte na fogueira, ou aleijões incuráveis.
Martinho Lutero foi monge e teólogo agostiniano, quando foi tornar-se doutor em Roma sua consciência intelectual foi mais forte que sua obediência monástica. Revoltou-se contra os abusos da Igreja. De volta à Alemanha, provocou um Cisma que sacudiu a cátedra do Papa. A inquisição o inquiriu e prendeu. Mas ele foi solto, e a igreja da Alemanha partiu-se ao meio. O resto da história é de senso comum.
Leonardo Boff nasceu e cresceu num ambiente pobre, tornou-se frei franciscano e foi estudar na Alemanha. Voltou com uma idéia na cabeça: A Teologia da Libertação, que com outros teólogos da América Latina ajudou a criar. Sempre muito calmo, com poesias amáveis, ganhou a simpatia dos jovens. Mas, de repente! O espírito de Lutero soprou no homem! E ele escreveu, como manual de cristologia: “Jesus Cristo Libertador”. Depois o livro bomba: “Igreja, Carisma e Poder”. Obras revolucionárias. A primeira de caráter social, a segunda doutrinal. A inquisição, opa, desculpe! “A Congregação para a Sagrada Doutrina da Fé”, inquiriu, e ele sentou-se na mesma cadeira de Giordano Bruno, Galileu Galilei, Tomás Campanela e, por que não, Lutero. Foi interrogado pelo Papa, então cardeal Joseph Ratzinger. Condenado ao silêncio obsequioso, Leonardo Boff, assim como Lutero, não obedeceu. Voltou para o Brasil. Tentou reconstruir sua vida como professor de ética, casou-se com uma viúva de sete filhos. Publicou várias obras sobre diferentes temas. A partir de então, sua teologia tornou-se apenas uma auto-ajuda e, quando muito, verossímil para os ignorantes. Enganou-se a respeito da revolução dos pobres, das lutas de classe, da materialização de alguns ideais. Admitiu um discurso ecológico, inventou uma causa, criou uma luta, fez um tema à sua moda, e com razão diz-se que Leonardo Boff abandonou a trincheira. Tudo isso é, em verdade interessante, mas, que diabo, esse homem não faz na América Latina o que Lutero fez na Europa.
Obs:
Encontrei esta antiga citação; talvez inspire Boff: “Por amor à verdade e o desejo de trazê-la à luz, discutir-se-ão, em Wittenberg, as seguintes proposições, sob a presidência do Rev. Padre Martinho Lutero, Mestre em Artes, Sagrada Teologia e professor ordinário das mesmas. Por conseguinte roga a todos aqueles que não puderem estar presentes para discutir oralmente conosco, que o façam por carta”. Adiante, segue-se, as famosas 95 teses, que deram origem a reforma protestante.