O amor lança fora todo medo
Tem algum tempo que venho procurando respostas para algumas indagações. Busco encontrar um novo horizonte de pensar e de ser igreja. Vivi boa parte da minha vida sendo oprimido com “não faça isso”, “não assista aquilo”, “não ouça essas músicas”. Não tive infância devido ao medo de estar pecando e atraindo sobre mim a ira de Deus. Não joguei futebol, bolinha de gude. Rodar pião foi um sonho nunca realizado. Encantava-me ver as pipas no ar e aquela agitação da criançada com medo de ter a sua cortada. De cima do muro eu via as crianças fazendo tudo o que eu queria fazer, mas não podia, porque Deus não se agradaria se eu o fizesse.
Até o prazer de usar as roupas que queria me foi negado. Fui obrigado a usar aqueles conjuntinhos ridículos de terno e gravata borboleta. Aos 6 anos de idade comecei a pregar na igreja, sutilmente forçado. Nessa idade eu não queria, até porque não sabia, fazer sermão. Eu queria mesmo era assistir “Os Cavaleiros do Zodíaco”, “Fly”, “Shurato”, “Jaspion” e toda aquela série de desenhos japoneses que eram o frenesi da época. Desenhos esses que eram vistos como satânicos e assisti-los era abrir uma porta para o Diabo entrar em sua casa. Lembro dos vários testemunhos que ouvi sobre crianças que tiveram convulsões e ficaram possessas enquanto assistiam esses desenhos.
Lembro também do terror que foi feito em volta do boneco do Fofão, da boneca da Xuxa, do bichinho virtual, brinquedo esse que tive que quebrar após meus pais ouvirem sobre uma criança que foi enforcada por seu bichinho, que sorria demoniacamente na tela enquanto envolvia o pescoço do menino com o cordão que vinha nele. O que dizer dos desenhos da Disney? Palestras eram feitas na igreja para tratar sobre as mensagens subliminares eles continham. Assisti vários vídeos do Pr Josue Yrion. Nem vou entrar no que era falado sobre o rock, o som do Diabo. Era-nos dito que fazer tudo isso além de estar dando lugar ao Diabo, estaríamos também pecando contra Deus.
Por muito tempo vi Deus como um carrasco, um jagunço que viria sobre mim com maldições toda vez que fizesse o que era PROIBIDO. Ainda hoje tenho em mente uma situação que vivi na sexta série. Eu era apaixonado por uma das meninas mais bonitas da sala e por mais incrível que pareça, comecei a ser correspondido. Sentávamos juntos, escrevíamos um no caderno do outro, começamos a nos encontrar depois da escola para ir à sorveteria ou ficar apenas sentados no banco da praça conversando. Enfim, tomei coragem e fui pedi-la em namoro, mas ela recusou e qual foi o motivo? O fato de eu ser CRENTE. Em sua mente ser CRENTE era apenas um conjunto de PROIBIÇÕES. Outros amigos pensavam da mesma maneira. Sempre me perguntavam por que eu não ia aos passeios da escola, não ia ao cinema, porque não jogava futebol, não ia às festas temáticas, minha resposta era sempre a mesma: porque minha religião não permite. É provável que alguém que está lendo esse texto já tenha dito isso: “MINHA RELIGIÃO não permite”.
Depois da infância migrei para a adolescência e juventude, onde a preocupação era com o nosso ir à igreja e batismo. Em cada fase da minha vida, vivi regido por uma série de regras que deviam ser cumpridas caso contrario, o jagunço da igreja viria sobre mim. Perdi a conta de quantos cd`s foram jogados fora nessa época. Um amigo meu perdeu muitos cd`s de clássicos do rock jogados no lixo por sua mãe. Em casa cada acontecimento era associado a uma benção ou maldição. Se passávamos aperto financeiro, logo se perguntava se alguém não havia entregado o dízimo. Cada acontecimento estava relacionando com o nosso andar na linha. Quando comecei a trabalhar minha mãe logo se apressou a me instruir a nunca deixar de dar o dízimo se não tudo iria de mal a pior.
No entanto, chego aos meus 23 anos liberto dessa lógica do toma lá, dá cá. E descubro que a única lógica que existe é a do amor. E que existem dois pólos na igreja que precisam ser rompidos, a saber: interesse e medo. De alguma maneira uma dessas duas vertentes está impregnada em nós. No fundo acabamos nos relacionando com Deus ou por medo ou por interesse. Reparei nos últimos tempos o quanto se fala de amor e o quanto se fala de benção. O amor perde de lavada. Observei também o conteúdo das orações e como elas sempre caminham para o “Senhor abençoa”, “concede Senhor”, sempre termina de alguma maneira com o “dá, dá” da sanguessuga (Pv 30. 15).
No final das contas os fies são fisgados de uma maneira ou de outra. A instituição religiosa para sobreviver lança ou a teia da benção ou da maldição. É uma jogada infalível, se o crente escapar de uma, caí na outra. É só assistir esses programas televisivos e ver como isso realmente dá certo. Porque esses pregadores de televisão estão sempre despreocupados? Porque mantém as pessoas presas em redes que são associadas ao divino.
Nossa situação é a mesma que foi vivida na idade média. Tudo o que Lutero combateu, está de pé só que de uma maneira sutilmente distinta. As indulgências ainda são vendidas, só mudou a abordagem. O que era para ser dado de graça é vendido. “Participe de campanhas para ser abençoado”. “Dê o dizimo para ser prospero” é o que dizem. É sempre dê, dê para receber. E assim como nos tempos de Lutero, hoje existe também a intimação para fazer com que as pessoas comprem as indulgências. Se lá a garantia era tirar a alma do inferno, aqui a garantia é ser abençoado, que no fundo, tem uma associação com a salvação, visto que benção é indicio do agrado de Deus e da justiça de quem a recebe.
Aquele que não dá o dízimo, não faz isso ou aquilo, é tratado como um perdido que necessita da conversão. Por que eu vivia atordoado para cumprir todas as regras que eram impostas? Simplesmente porque tinha medo de ir para o inferno e a única maneira disso não acontecer era não jogar bola, não ir ao cinema, não ver desenhos, não isso, não aquilo... O Papa, tradição e as bulas papais não existiram só nos tempos de Lutero e na igreja católica, ele e elas, existem também na chamada igreja evangélica, só o que muda é que na igreja evangélica são pastores, estatutos, regimentos. E de quem é a culpa por esse sistema se manter de pé? Nossa, afinal, temos Bíblia de inúmeros modelos, tamanhos, cores, mas não a lemos e nos mantemos na prisão que nos é imposta por aqueles que detém o poder.
Comecei a encontrar meu novo horizonte e minha liberdade quando comecei a buscá-los no evangelho e nele descobri o amor de Deus. A Bíblica começa partindo do principio de que Deus por amor entregou seu Filho quando ainda éramos pecadores e deixa claro que somos salvos pela graça (At 15.11; Rm 3.23,24; 5.8,9; Ef 2.1- 10). Fica claro que não houve participação alguma de nossa parte no processo de receber essa graça, a recebemos por amor. Só existe uma coisa que é nossa por direito, a morte! (Rm 6. 23). Como já disse acima a base do nosso relacionamento com Deus é o amor. O amor quebra a lógica de que temos que fazer coisas (dar o dízimo, guardar a Lei de Deus, ir a igreja, fugi da imoralidade, etc) para não ser amaldiçoado ou ser abençoado. Não somos amaldiçoados simplesmente porque Deus nos ama e derramou (por amor) em Jesus toda ira e castigo que a nós era reservado (Is 53. 4 – 6; Jo 3.16; I Ts 1.9,10) e mais, já não há mais nenhuma condenação para quem está em Cristo Jesus (Rm 8.1).
Também não somos abençoados pelo nosso dar o dízimo ou pelas campanhas e jejuns que fazemos. Se recebemos alguma benção (na verdade acredito numa benção maior que possibilita outra menores, a saber: A cruz de Jesus. Mas isso é assunto pra outro artigo) é por amor e graça. A Bíblia é clara ao dizer que nós já fomos abençoados com toda sorte de bênçãos espirituais (Ef 1.3)[1]. E esse ato de nos abençoar foi uma iniciativa totalmente da parte de Deus, não tivemos e não temos participação, pois não vem de nós e sim de Deus (Ef 2.1 – 10).
Aonde quero chegar com tudo isso? Quero chegar novamente no amor de Deus. Libertamos-nos do medo e da ilusão de agradar a Deus quando descobrimos seu amor. Temos que começar a ver Deus como um Pai e amigo e não como um todo-poder. Quem vê Deus como um todo-poder só suga e não se relaciona. O Pr Ed René trata o relacionamento de amizade com Deus de uma maneira genial, ele diz o seguinte:
Amigos são aqueles com quem podemos viver sem máscaras, porque não tememos ser rejeitados. Amigo é aquele que conhece você por dentro e, mesmo assim, continua seu amigo. O relacionamento de vocês extrapolou a fase dos possíveis desapontamentos e condições para a manutenção da amizade.[2]
Quem se relaciona em amizade com Deus não vive com medo porque sabe que Deus sabe com quem está se relacionando. Por isso acho uma grande hipocrisia estabelecer regras de pode e não pode, determinar comportamentos e vestimentas para serem usados dentro da igreja (templo), sendo que no geral não nos comportamos e nem nos vestimos assim além dos limites do templo. O sistema religioso é um sistema de sepulcros caiados, afirma-se a fidelidade dos crentes com base na sua freqüência na igreja e no seu ato de fidelidade (como dizem) em dar o dízimo, sendo que muitos desses freqüentadores de igreja, engravatados, dizimistas, “santos”, na verdade são verdadeiros perversos quando estão longe da chamada “casa de Deus” que na verdade é nossa, porque a casa de Deus somos nós (Lc 17.21; Jo 14. 13, 17, 23; I Co 3. 16, 17).
Faço referencia novamente ao Pr Ed René quando destaca a amizade falando do amor Phileo.
Embora sublimes, todos os três [Ágape, Eros e Phileo. Na língua grega existem três definições de amor – grifo meu] minha preferência está em phileo. Primeiro porque é o elo que alimenta os outros amores. Sempre encarei a relação com Deus como amizade. E não acredito em amantes que não sejam amigos. Amantes que não são amigos são corpos unidos – tesão. Devotos a Deus que não são amigos de Deus são mendicantes – interesse. Prefiro phileo porque Ágape é uma questão de fé, e Eros uma questão de sorte. [3]
Ser amigo de Deus é ser livre para ser quem é do jeito que é. Como inibir a libertinagem, como trabalhar a fidelidade, a moralidade, a contribuição, como educar nossas crianças sem terrorismo? Com o amor. Paulo em sua segunda carta aos Coríntios no capítulo 5 versículo 14 nos diz que “o amor de Cristo nos constrange (o verbo indica uma pressão que confina e restringe, além de controlar), isso quer dizer que o que nos impulsiona a fazer e não fazer é o amor de Deus. Jesus disse que quem o amasse guardaria seus mandamentos (Jo 14. 21) e essa é justamente a prova do nosso relacionamento de conhecimento e amor para com Deus (I Jo 2. 3 – 6). O que isso quer dizer? Que o que faço, faço porque amo. Quem ama não faz nada que fira aquele a quem ama. O amor não comporta-se indecentemente (I Co 13. 5), não se porta de uma maneira vergonhosa, antes é respeitoso e não pratica nada que possa envergonhar a pessoa amada.
“Tudo nos é permitido, mas nem tudo convém” (I Co 6.12) e porque nem tudo convém? Porque algumas coisas ferem o caráter de Deus e por amá-lo e não querermos envergonhá-lo não as praticamos. A base da liberdade é o amor. O amor é o norte para sabermos se o que estamos fazendo ou deixando de fazer fere a Deus ou não. Exatamente para isso que Ele nos deixou 66 livros, para conhecermos sua vontade e por amor praticá-la. Certas coisas que a instituição religiosa nos impõe, não passa de capricho da própria instituição, que tenta através do medo, fazer com que façamos sua (da instituição) vontade, que nem sempre está de acordo com a de Deus. No geral tudo que nos é passado como não podendo não passa de questões culturais que para serem validadas adiciona-se uma dose de pecaminosidade (exemplo disso é o uso de calça e jóias visto como pecado em muitas igrejas).
Termino dizendo que hoje quando tenho que falar com alguém sobre minha conduta como cristão não digo: “porque minha religião não permite”, digo: porque amo a Deus. E já não me preocupo mais com o que os religiosos consideram pecado. Não tenho mais medo de Deus, porque hoje conheço a Deus e não é o mesmo Deus que muitas vezes é pregado nos púlpitos. Não me aterrorizo mais com as supostas maldições e nem me iludo com as benções. Não sigo a auto-justificação. Não tomo os acontecimentos em minha vida como prova da reprovação ou aprovação de Deus. Sinto-me tranqüilo para ouvir, ler, assistir, ir, vestir sem peso na consciência. Hoje me permito ser quem sou da maneira que sou, porque Deus sabe quem sou e como sou, por isso não tenho motivos para ser ninguém além do que sou.