E quando orar não resolve?
Alguns com certeza olhariam o título do texto e diriam: Como assim quando orar não resolve? Afinal, crescemos num contexto pentecostal super poderoso, onde muitos entendem a oração apenas como um instrumento de realização dos seus próprios projetos e desejos[1]. Hinos do tipo: “ora que melhora”, são cantados continuamente. Campanhas de 7, 14 e não sei quantos dias mais, são feitas. Sempre que um novo ano se inicia se apressam em fazer a seguinte chamada: doze semanas (ou dias) de oração para doze meses de vitória.
Muitos lidam com Deus apenas como o “Todo poder” e a oração nada mais é do que o recurso que se dispõe para acionar esse poder. Como diz Ricardo Barbosa (BARBOSA, 2004, p.151): “Deus se torna mais um “objeto” com o qual eu me relaciono utilitariamente”. No entanto, chega uma hora que esse cenário mistificador, falha.
Nos últimos meses, nunca tive tanto contato com gente frustrada, perdida, sem respostas. Gente que sempre ouviu falar em orações, campanhas, que passam anos a fio orando pelo pai alcoólatra e nada acontece. Uma esposa que ouve do marido não crente, que está com câncer, que não quer saber do seu Deus, pois de tanto ouvir falar na igreja que Deus cura, se ajoelha e pede para que ele também fosse curado, e o que aconteceu? Nada! A morte está cada dia mais perto.
E pra ajudar, quando as coisas falham, não são poucos os que se apressam a colocar a culpa na fé, ou melhor, na falta de fé. Assim fica fácil. Pregam e pregam que Deus vai curar, libertar, prometem e dizem o que Deus nunca prometeu e nunca disse, e quando nada acontece, a culpa é da falta da fé, assim, esses “poderosos” continuam intactos em suas crenças e reputação, afinal, foi você que não fez sua parte.
Muita gente experimenta o “Todo o que pede não recebe” dito por C.S. Lewis (quando fala da morte de sua mulher) [2]. Realmente a experiência de oração para muitos é como encontrar a porta bem trancada, e não aberta. É bater,bater e não obter nenhuma resposta do outro lado. Quanta gente sente o que sentiu Mack do romance “a cabana” de Young, de orar pedindo a intervenção divina e ela não vir.
Tenho buscado um novo horizonte de relacionamento com Deus, pois o que me foi passado desde a infância já não dá mais. Ver Deus apenas como uma “força” que está dando sopa e que precisa ser despertada através de minha oração já não satisfaz. As regras de benção e maldição que muito ouvi dos púlpitos se tornaram falhas. Oração não é um resolvedor de problemas, se assim o fosse, como explicar o Getsêmani e o “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonastes?” [3] na vida de Jesus? A oração falhou na vida do Filho de Deus? Expliquem-me senhores espirituais. Expliquem-me Deus dizendo para Paulo: “Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” [4] após o grande apóstolo ter orado três vezes suplicando que lhe fosse tirado o espinho na carne.
Vivi muito tempo angustiado pelas taxações que me eram impostas. Gente dizendo que eu não era (e alguns ainda dizem que não sou) espiritual. Que eu sou frio. Diziam que eu não me importava com meu sobrinho só pelo fato de não fazer campanha, corrente de oração, pela cura de sua doença. Não fiz e nem farei. Decepcionei-me muito com esse modelo de vida cristã. Orei muito achando que isso mudaria cenários, e eles nunca mudaram. Orei pedindo para Deus tirar a dor que sinto no peito e as dúvidas que carrego na mente, e nada. Todos nós teremos que conviver com algum tipo de espinho na carne. Espinhos que não serão tirados, ainda que se faça 100 anos de oração.
Não agüento campanha. Não suporto hinos me dizendo que tudo vai ficar bem. Simplesmente pelo fato deles não passarem de entorpecentes espirituais. São como drogas que nos deixam em êxtase por um determinado momento, nos fazendo esquecer a realidade vigente. Mas que ao final do efeito, “boom” tudo volta, e estaremos sempre atrás de mais doses e mais doses.
E quando orar não resolve? A paternidade divina resolve. Quando digo: e quando orar não resolve? Estou me referindo a essa visão de oração como algo mágico, que num estralar de dedos muda situações. O grande lance da vida é a certeza da paternidade divina. É a certeza de que o Pai é nosso. Olhando para a tentação de Jesus registrada nos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) consigo entender o que o importante é o nosso se relacionar com Deus como pai. Jesus vai ao deserto logo após seu batismo, onde ouve que é o filho amado de Deus[5], em seguida vem o Diabo e o tenta, lhe dizendo: “Se és o Filho de Deus...”. O problema nunca foi se Jesus poderia ou não mudar se cenário desértico, mas se estava firmado na certeza da sua filiação com o Pai.
Nem sempre orar vai resolver, porque oração não é um jeito mágico de mudar situações, ela é um jeito pessoal de se relacionar com Deus como Pai. Não devemos orar para que situações sejam mudadas, devemos orar porque devo me relacionar. Comecei a entender a oração nas vezes em estava desesperado e meus pais estavam lá, eles nunca conseguiram mudar as realidades, mas estavam lá.
A oração na vida de Jesus nunca falhou, simplesmente porque ele não a tinha como um jeito mágico, sobrenatural, mas como algo simples e pessoal. Orar não é entrar no âmbito espiritual, mas pessoal. Nesse sentido, orar sempre vai resolver. Quando oramos, juntamos pessoa-Pessoa. Se o objetivo de orar for somente resolver problemas, então ela não irá resolver, será eu falando comigo mesmo. Agora se o objetivo de orar for se relacionar, ai sim, algo surpreendente irá acontecer, porque estaremos falando com o Pai, que é nosso. O importante nas circunstancias da vida é entender, que de Deus não há estranhos e muito menos órfãos.
Campanhas, orações fortes, água ungida e afins, não resolvem, só frustram, porque são nossa tentativa de transformar pedras em pães. Agora se relacionar resolve, ou melhor, conforta, porque na maioria das vezes e para alguns, as pedras nunca se transformaram em pães, mas elas experimentaram a paternidade que não falha.
Termino mais esse escrito dizendo que essas palavras foram escritas de um coração quebrado e confuso para outros corações quebrados e confusos, mas que tem lutado para não ser iludido com promessas e “boas cumbas” que vemos no contexto evangélico. Quando se tem certeza da paternidade divina, se sentir sozinho, não tem nada haver com estar sozinho.
É conseguir olhar para o céus e dizer: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”[6] após ter experimentado a aridez do deserto e o vazio da alma expresso pelo “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonastes?”
Muitos estão com seus sonhos despedaçados, com o sentimento de que nada na vida mudou, mais o que importa é a convicção do que foi dito e ouvido no batismo e não no deserto. O Pai é nosso e em breve nos encontraremos com ele. Não transformemos nossas orações num esfregar da lâmpada, mas a tenhamos como o acesso ao nosso Pai, com quem nos relacionamos quer as coisas estejam bem ou não.
A graça está nos levando para casa!