A tentação [SERMO CXXIX]
A TENTAÇÃO
Prof. Dr. Antônio Mesquita Galvão
Vigiem e orem para que não caiam em tentação (Mc 14,38).
Uma pessoa conhecida entrou em contato comigo se queixando que sofria de fortes tentações. Fiz ver a ela que, assim como há joio no meio do trigo, igualmente ocorrem tentações em meio às nossas virtudes e desejos de santidade. E pior: quanto mais a gente busca a santidade mais forte acontece a tentação. Em sua estratégia maligna o diabo não quer a nossa santidade.
O que é tentação? Como somos tentados? Tentação, no grego peirasmós, é um estímulo ou indução a um ato que pareça atraente, ainda que seja inapropriado ou contradiga alguma norma ou convenção social sendo, consequentemente, proibido. A definição de tentação pode ser aplicada a uma ampla gama de ações (por exemplo, o desrespeito a uma restrição alimentar, a trapaça, a ostentação de artigos de luxo, o deboche, o abuso do poder, a oportunidade de roubo, etc).
Num contexto cristão, a tentação é o estímulo a um pecado ou a uma ação imoral, de tal forma que o pedido de “proteção contra as tentações” chega a constituir elemento central da oração do Pai-Nosso. Sob a ótica cristã, a essência do pecado e de todas as tentações é o afastamento de Deus.
Não nos deixar cair em tentação, é o mesmo que dizer: faze
que eu conheça a mim mesmo (A. Schopenhauer).
Somos tentados justamente naquilo que somos mais fracos e vulneráveis. Quando conhecemos realmente quem somos, temos condições de conhecer nosso lado débil e assim resistir às tentações. A Bíblia recomenda:
Foge também das paixões da mocidade, e segue a justiça, a
fé, o amor, a paz com os que, de coração puro, invocam o
Senhor (2Tm 2,22)
Ser tentado não é o mesmo que cometer pecado. Tentados todos são. Os grandes santos – e por isto se tornaram santos – foram as pessoas que mais sofreram tentações. Sua virtude está justamente na forma como resistiram a elas. Os pássaros podem voar sobre a nossa cabeça. Não há nenhum mal nisto. O que não podemos consentir é que eles façam seus ninhos sobre nossa cabeça. Voar acima não causa nenhum mal: é a tentação; construir ninhos já é complicado: é o pecado.
É só tentação a vida do homem sobre a terra (T. Kempis. in:
A imitação de Cristo)
Feliz o homem que sofre com paciência a tentação (do
Talmude Judaico)
A tentação de Adão e Eva tocou no lado em que o casal era mais fraco: a soberba, o desejo de serem “iguais a Deus”.
Se quiseres observar os mandamentos eles te guardarão; se
cofiares em Deus tu também viverás. Diante de ti Ele colocou o
fogo e a água; para o que quiseres, tu podes estender a mão.
Diante de ti estão a vida e a morte, o bem e o mal; cada um
recebe aquilo que preferir (Eclo 15, 16).
O mal não está em ser tentado, mas em ser vencido pelas
seduções da vida (Rabino Bohlsein).
A carne tenta com doçuras, o mundo com vaidades, e o demónio
com amarguras (São Bernardo).
Até Jesus foi tentado... Ele foi tentado não porque fosse mau, mas porque era importante. O inimigo quer derrubar quem se atravessa no seu caminho... Jesus foi tentado por necessidades humanas (fome). Você pode imaginar as dores de fome depois de quarenta dias? Foi nessa ocasião que Satanás tentou-O a transformar pedra em pão. Isso Ele poderia ter feito, da mesma maneira que alimentou os cinco mil, mas não estaria cumprindo o propósito de Deus neste momento, por isso se recusou.
Cristo vai ao deserto, lugar sublime do reencontro com o Ser Supremo como se deu um dia com Moisés face ao Eterno lá no monte Horeb. Jesus, enquanto homem quis estar numa conversa com o Pai e mostrou o valor do jejum e da oração como meios privilegiados dessa aproximação. O deserto é ainda um lugar de provação. O povo hebreu nele marchou durante quarenta anos e experimentou fome, sede, hesitações. Jesus, porém, triunfa sobre o Maligno que ele vencerá definitivamente mais tarde com sua morte e ressurreição. O perigo é que o diabo veio tentar Jesus com a Bíblia na mão, citando as Escrituras.
Jesus enfrentou Satanás com as palavras da Escritura. “Está escrito” (Mt. 4,4), disse ele. Em toda tentação, sua arma de guerra era a Palavra de Deus. Satanás exigia de Jesus um milagre, como prova de sua divindade. Mas alguma coisa maior que todos os milagres – uma firme confiança num “assim diz o Senhor”, era o irrefutável testemunho. Enquanto Cristo se mantivesse nessa atitude, o tentador nenhuma vantagem poderia obter.
No fundo de toda tentação diabólica está um desejo desregrado qualquer. É uma situação normal que seres humanos estejam sempre carentes, necessitados de algo. O problema é se escravizar a tais anelos sem saber diagnosticar o certo e o errado, a verdade e o vício. Muitos podem até se tornar submissos ao prazer pelo prazer, mas isso não é o que Deus quer. Daí todo tipo de desordens no excesso na alimentação, na busca do que é supérfluo, na ganância de acumular riquezas, enfim, em todo tipo de desregramento. Cumpre, por isto, estar vigilantes, monitorando os anseios mais latentes.
Para tanto, mistér se faz invocar o Espírito Santo que dá discernimento, fortaleza, levando a vitórias fulgurantes contra o mal. Então o cristão domina as necessidades e não fica a reboque das mesmas. Como bem asseverou o Apóstolo Paulo:
Deus é fiel: não permitirá que sejais tentados além das vossas
forças, mas com a tentação ele vos dará os meios de suportá-la
e sairdes dela (1Cor 10,13).
Cumpre ao cristão tirar proveito das tentações. São Bernardo explica por que Deus permite que o maligno tente o batizado. Em primeiro lugar para que neste combate espiritual o discípulo de Jesus, a seu exemplo, humilhe satanás. No paraíso ele derrubou Adão e anela sempre amarrar cada ser humano ao domínio de seu poder para tomar posse de quem não lhe resiste. “Afasta-te espírito maligno” deve ser sempre a ordem do seguidor de Cristo.
Em segundo lugar ao triunfar sobre o demônio o cristão glorifica os anjos, repetindo o gesto glorioso de São Miguel e seus sequazes fiéis a Deus, e corresponde às boas inspirações do Anjo da Guarda e demais espíritos celestes que querem levar cada um para o bem. Finalmente, vencendo o diabo o batizado adora a Deus não só com palavras, mas com obras, demonstrando fidelidade total ao Deus da vida.
Para tanto é preciso muita oração, mortificação, fuga das ocasiões de pecado, o tripé sagrado que conduz, inexoravelmente, à vitória. Deus nunca nega sua graça poderosa àquele que se dispõe a não ceder às insinuações do espírito das trevas, imitando sempre a Jesus.
Para que o cristão não desanime quando se sente tentado é preciso que ele se lembre do que diz o livro de Jó: “A vida do homem sobre a terra é uma luta” (Jó 7,1), tendo Jesus complementado: ”Entretanto, aquele que perseverar até o fim será salvo” (Mt 24,13).
Na luta contra o mal a pior atitude seria o desânimo. A Josué Deus disse: “Seja firme e corajoso” (Js 1,6). É preciso uma confiança total na graça divina, repetindo com o salmista: “Com o auxílio de Deus faremos proezas, ele abaterá nossos inimigos” (Sl 59,14). Nunca se deve esquecer que se lê na Carta de São Tiago:
Feliz o homem que suporta pacientemente a tentação, porque
depois de ter sido provado, receberá a coroa da vida que o
Senhor prometeu aos que o amam” (Tg 1,12).
Este Apóstolo havia dito: “Considerai que é suma alegria, meus irmãos, quando passais por diversas provações, sabendo que a prova da vossa fé produz a paciência. Mas é preciso que a paciência efetue a sua obra, a fim de serdes perfeitos e íntegros, sem fraqueza alguma” (Tg 1,2-4). Como Jesus e os mestres da Igreja saibamos sempre vencer satanás e suas tentações!
Eis que coloco a tua frente dois caminhos: escolhe o bem e
viverás (Dt 30,19).
Cada qual é tentado pela própria concupiscência que o
arrasta e seduz (Tg 1,14).
A tentação leva-me a olhar para cima, na direção de Deus
(John Bunyan)
Minhas tentações têm sido minhas mestras de teologia (M.
Lutero)
A fraqueza do ser humano inspira o ”tentador”. Você não é
tentado porque é mau, mas sim porque é humano (Fulton J.
Sheen)
Tentação não é pecado; é o chamado para a batalha (Pr.
Frederick P. Wood).
Tentação é o tentador olhando pelo buraco da fechadura do quarto em que você vive; pecado é o ato de você destrancar a porta e fazer com que seja possível ele entrar (J. Wilbur Chapman). É possível aprender alguma coisa com essas tentações sofridas por Jesus? Elas indicam, por exemplo, que o Diabo não é a mera qualidade do mal, como afirmam alguns, mas que é uma pessoa real e invisível. O Diabo disse que estava disposto a recompensar Jesus por um ato de adoração, disposto até a dar-lhe todos os reinos do mundo.
O Maligno pode muito bem provar-nos de modo similar, talvez colocando diante de nós oportunidades tentadoras de obter riquezas, poder ou posição no mundo. Nós seremos sábios se seguirmos o exemplo de Jesus, permanecendo fiéis a Deus, não importa qual seja a tentação! Para evitar as tentações e o passo seguinte (o pecado), o homem deve assumir algumas atitudes:
• aceitar suas próprias limitações, conhecendo-se e buscando crescimento;
• conhecer, com convicção, os autênticos valores humanos;
• empolgar-se por um verdadeiro ideal;
• conhecer a Cristo, lendo e meditando as Escrituras, bem
como as verdades de sua Igreja;
• acostumar-se a fazer sacrifícios pessoais;
• evitar a vida ociosa, as conversas fúteis e as más
companhias;
• ter senso crítico para julgar padrões e circunstâncias sociais;
• buscar frequentemente uma orientação (direção) espiritual;
• manter-se em contato com Deus pela oração;
• observar os mandamentos, principalmente o “novo”
(Jo 13,34);
• freqüentar os sacramentos, em especial o da Penitência e
o da Eucaristia.
Embora Jesus fosse tentado várias vezes, ele enfrentou um teste especialmente severo logo depois que foi batizado. Lucas recorda este evento (Lc 4,1-13), mas seguiremos a história conforme Mateus a conta: “A seguir, foi Jesus levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. E, depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome” (Mt 4,1s).
Pelo fato que foi o Espírito que levou Jesus para o deserto mostra que Deus pretendia que seu Filho fosse totalmente humano e sofresse tentação. Note estas três tentativas de Satanás para seduzir Jesus.
A primeira Tentação
A afirmação do diabo: “Se és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães” (4,3). O diabo é um mestre das coisas aparentemente lógicas. Jesus estava faminto; ele tinha poder para transformar as pedras em pão. O diabo simplesmente sugeriu que ele tirasse vantagem de seu privilégio especial para prover sua necessidade imediata.
Era verdade que Jesus necessitava de alimento para sobreviver. Mas a questão era como ele o obteria. Lembre-se de que foi Deus quem o conduziu a um deserto sem alimento. O diabo aconselhou Jesus a agir independentemente e encontrar seus próprios meios para suprir sua necessidade. Confiará ele em Deus ou se alimentará a seu próprio modo? Há aqui, também, uma questão mais básica: Como Jesus usará suas aptidões?
O grande poder que Jesus tinha seria usado para fazer uma mágica, para gratificar seus desejos pessoais? A tentação era ressaltar demais os privilégios de sua divindade e minimizar as responsabilidades de sua humanidade. E isto era crucial, porque o plano de Deus era que Jesus enfrentasse a tentação na área de sua humanidade, usando somente os recursos que todos nós temos a nossa disposição.
Aqui a projeção dessa tentação chega aos dias de hoje como um desejo de ter. O diabo que tentou induzir Jesus a “fabricar” o alimento nos força hoje a buscar o material acima do espiritual. É a tentação do ter. A resposta de Jesus é marcante:
Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda
palavra que procede da boca de Deus (Mt 4,4).
Em cada teste, Jesus se voltava para as Escrituras, usando um meio que nós também podemos empregar para superar a tentação. A passagem que ele citou foi a mais adequada naquela situação. No contexto, os israelitas tinham aprendido durante seus quarenta anos no deserto que eles deveriam esperar e confiar no Senhor para conseguir alimento, e não tentar conceber seus próprios esquemas para se sustentarem. O número quarenta na numerologia semita exprime um tempo de provação.
O certo é que o diabo ataca as nossas fraquezas. Ele não se acanha em provar nossas áreas mais vulneráveis. Depois de jejuar quarenta dias, Jesus estava faminto. Daí, a tentação de fabricar o alimento de uma maneira não regulamentar. Satanás escolhe justamente aquela tentação à qual somos mais vulneráveis, no momento. De fato, as tentações são frequentemente ligadas a sofrimento ou desejos físicos.
A tentação parece razoável. O errado em muitos casos parece certo. Um homem "tem que se alimentar". Muitas pessoas sentem que necessidades pessoais isentam-nas da responsabilidade de obedecer às leis de Deus. É preciso confiar em Deus. Jesus precisava de alimento, sim. Porém, mais do que isso, precisava fazer a vontade do Pai. É sempre correto fazer o certo e errado fazer o que é ilícito. Deus proverá o que ele achar melhor; o dever da criatura é obedecer-lhe. É melhor morrer de fome do que desagradar ao Senhor.
A segunda Tentação
Então, o diabo o levou à Cidade Santa, colocou-o sobre o pináculo do templo e lhe disse: “Se és filho de Deus, atira-te abaixo, porque está escrito: Aos seus anjos ordenará a teu respeito que te guardem; e: Eles te sustentarão nas mãos, para não tropeçares nalguma pedra” (4,5s).
Jesus tinha replicado à tentação anterior dizendo que confiava em cada palavra do Senhor. Aqui Satanás parece dizer: “Bem, se confias tanto no Pai, então o experimenta. Verifica o sistema e vê se ele realmente cuidará de ti”. E ele confirmou a tentação com um trecho das Escrituras. A segunda tentação inflete no sentido do poder. Quem não gosta de ter poder e de dar demonstrações dele? O diabo tentou Jesus (e o faz conosco, hoje) a exercer com soberba seu poder. Como o poder humano corrompe, ele muitas vezes nos dá poder para que este sirva de motivo de tropeço. Aqui surge a tentação do poder.
A questão é se Jesus, diante da tentação iminente, confiará sem experimentar? Desde que Deus prometeu preservá-lo do perigo, é certo criar um perigo, só para ver se Deus realmente fará como disse? A resposta de Jesus é emblemática:
Também está escrito: Não tentarás o Senhor, teu Deus (4,7).
A confiança verdadeira aceita a palavra de Deus e não necessita testá-la. O diabo cita a Escritura; ele põe como isca no seu anzol os versículos da Bíblia. Ele é astuto: vem tentar com a Bíblia nas mãos. As pessoas geralmente aceitam qualquer ensinamento, se está ornado por alguns versículos. Mas cuidado! O mesmo diabo que pode disfarçar-se como um anjo celestial (2Cor 11,13-15) pode, certamente, deturpar as Escrituras para seus próprios propósitos. O diabo cometeu três enganos, próprios de um espírito que não é iluminado:
Primeiro: não tomou as Escrituras em sua amplitude. Jesus replicou com: “Também está escrito...” (coisa que o diabo omitiu). A verdade é a soma de tudo o que Deus diz; por isso precisamos estudar todo o conteúdo das Escrituras a respeito de um determinado assunto para conhecer verdadeiramente a vontade de Deus. Não se pode pinçar textos isolados.
Segundo: ele tomou a passagem fora do contexto. O Salmo 90 conforta o homem que confia e depende do Senhor; ao homem que sente necessidade de “testar” o Senhor nada é prometido aqui.
Terceiro: Satanás usou uma passagem figurada aplicando-lhe o sentido literal. No contexto, o mote não era uma proteção física, mas nitidamente espiritual.
Satanás é versátil. Jesus venceu em uma área, então o diabo se mudou para outra. Temos que estar sempre em guarda (1Pd 5,8). A confiança não experimenta, não continua pondo condições ao nosso serviço a Deus, e não continua exigindo mais provas. Em vista da abundante evidência que Deus apresentou, é perverso pedir a Deus para fazer algo mais para dar prova de si.
A terceira Tentação
Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto, e mostrou- lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares” (Mt 4,8s). Que tentação! O diabo deslumbrava com a torturante possibilidade de reinar sobre todos os reinos do mundo. Se Jesus aceitasse, naquele momento, o prazer de ser rei de tudo aquilo que o diabo lhe oferecia, ele se tornaria dependente do Maligno. É a tentação do prazer, não só o sensual, mas também o prazer da notoriedade, tão buscado hoje em dia.
A questão aqui não era tanto a de Jesus tornar-se um rei: Deus já lhe tinha prometido isso (cf. Sl 2,7ss; Gn 49,10), mas restava definir como e quando isso ocorreria. O Pai prometeu o reinado ao Filho depois de seu sofrimento (Hb 2,9). O diabo ofereceu um atalho sofista: uma coroa sem a cruz. Era um compromisso. Então as questões são: Como Jesus se tornaria rei? Você pode usar um meio errado e, no fim, conseguir fazer o bem? A Moral nos ensina que os fins jamais justificam os meios. A resposta de Jesus encerra a questão:
Retira-te Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus,
adorarás e só a ele darás culto (Mt 4,10).
Nada é bom se é errado, se viola as Escrituras, se contraria a Moral. O que é intrinsecamente mau jamais se tornará extrinsecamente bom. Na luta pela dominação, Satanás paga o que for necessário. O diabo ofereceu tudo para “comprar” Jesus. Se houver um preço pelo qual você desobedecerá a Deus, pode esperar que o diabo virá pagá-lo. (cf. Mt 16,26). Nesse particular, o diabo oferece atalhos. Ele oferece o mais fácil, o mais atraente caminho ao poder e à vitória. Jesus recusou o atalho. Cumprindo o projeto original ele ganhou os reinos do jeito que o Pai tinha determinado. Hoje Satanás tenta as igrejas a usar atalhos para ganhar poder e converter pessoas.
É preciso resistir
O caminho de Deus é converter ensinando o evangelho (Rm 1,16). Exatamente como o diabo tentou Jesus para corromper sua missão e ganhar poder através de meios carnais, assim ele nos tenta atualmente.
O diabo oferece seduções travestidas de bons propósitos. Ele testa a profundeza de nossa pureza. Ele nos tenta a interpretar equivocadamente as Escrituras para apoiar um determinado ponto-de-vista ou dizer uma mentira de modo a atingir um bom resultado. Nunca é certo fazer o que é ilícito ou pecaminoso. Como conclusão, vemos que nesta batalha há uma luta entre os dois leões (1P 5,8; Ap 5,5). Jesus ganhou uma vitória decisiva.
Os que vencem a tentação e o pecado são reservados por Deus para o grande banquete do céu. O sangue de Jesus, derramado na cruz é o penhor dessa vitória.
São os que vieram da grande tribulação, lavaram e alvejaram
suas vestes no sangue do Cordeiro (Ap 7,14).
Jesus enfrentou e venceu as tentações. E ele fez isso do mesmo modo que nós podemos fazer. Confiou em Deus (1Jo 5,4; Ef 6,16); usou as Escrituras (1Jo 2,14; Cl 3,16); resistiu ao diabo (Tg 4,7; 1Pd 5,9). O ponto crucial é este: Jesus nunca fez nada de errado. Que Deus nos ajude a seguir seus passos (cf. 1Pd 2,21).
Sobre a tentação há outro aspecto a considerar. Trata-se de uma investida do Maligno com vistas a desviar o ser humano do caminho de Deus. Tentar funciona, às vezes, como sinônimo de “por à prova”, numa expressão semelhante a desafiar. A tentação pode ser aquele estímulo que nos impele ao mal, mas também o que leva a superá-lo. Em muitos casos a tentação nos desafia e serve de motivação para a resistência, para a superação e demonstração de fidelidade a Deus. Jesus orou e recomendou que orássemos para vencer as tentações.
Vigiem e orem para não caírem em tentação
O modelo de oração de Jesus (o Pai-Nosso) revela não somente a simplicidade com que devemos orar, mas demonstra também a espiritualidade com a qual nós devemos nos aproximar de Deus. Assim como a quinta petição do modelo de oração é dirigida para o perdão do pecado passado (”perdoa as nossas ofensas”), a sexta se preocupa com as possibilidades de pecado futuro (“... e não nos deixes cair em tentação...”).
Ela nos lembra do poder do tentador para enganar e destruir. Graças a Deus, não temos que lutar com ele sozinhos; o Senhor prometeu ajudar-nos! Jesus, nesta petição, ensina-nos como apelar a Deus por essa assistência.
O que significam as petições do “Pai-Nosso”? As palavras “não nos deixes cair” sugerem a necessidade da orientação de Deus nas decisões da vida. “Não cabe ao homem determinar o seu caminho” (Jr 10,23). Precisamos olhar para Deus, para que nos mostre o caminho que devemos tomar.
A expressão “não cair em tentação” pode significar a mesma idéia que “pelas veredas da justiça” (Sl 23,3). Se for, toda a exortação revela a intenção de nosso coração, não somente de abster-se “de toda forma de mal” (1Ts 5,22), mas também de agradá-lo em tudo (Cl 1,10).
Tal meta exige a maior sobriedade e vigilância contra as várias ciladas do diabo (1Pd 5,8) para que não sejamos conduzidos ao pecado. Exige que estejamos constantemente em contato com as palavras do Senhor, lendo-as diariamente e meditando sobre elas continuamente, desde que elas revelem o caminho no qual devemos andar (Sl 119,105). Deus, em certas ocasiões, como que permite a tentação, para provar a nossa fidelidade. Uma atenção especial para quem deseja fugir das tentações deve ser dirigida contra os “Pecados Capitais”, pois estes investem contra as virtudes morais. Relacionamos abaixo aqueles pecados, com um alerta de que é por meio deles que nos ocorrem as principais tentações.
1. soberba
Sintomaticamente, é relacionado em primeiro lugar, talvez por estar associado ao pecado de Adão, que se achou muito importante, talvez igual (ou melhor) a Deus; está relacionado com as falsas posturas, à empáfia de quem se julga o tal;
2. avareza
Refere-se ao apego desmedido aos bens, vício que prejudica a fraternidade, a solidariedade e a partilha;
3. luxúria
Aponta diretamente para os pecados da carne, os desejos impuros, em pensamentos, palavras e atitudes;
4. ira
São os atos de impaciência, intolerância e raiva, que vão se refletir em ofensas, agressões (verbais e físicas) aos irmãos;
5. gula
É o vício capital que se caracteriza pelo ato de comer e beber mais do que o necessário; a gula aponta para dois resultados negativos: o prejuízo à saúde de quem come demais, e o desperdício de alimentos que poderiam ser melhor aproveitados por outras pessoas;
6. inveja
Dizem os teólogos que a inveja é a prática do diabo; como ele não pode ter a amizade de Deus, inveja o homem; quando se inveja os bens e dons dos outros, estamos afirmando que Deus foi injusto, favorecendo alguns em detrimento de outros;
7. preguiça
A preguiça é o vício do ócio e do laxismo; o coração e a mente do preguiçoso é um campo fértil para a entrada de maus pensamentos, além da apatia para o trabalho e para a solidariedade.
No desígnio de Deus, que visa divinizar o homem em Cristo, a prova, e sua exploração satânica, a tentação, são inelutáveis: fazem passar da liberdade oferecida à liberdade vivida, da eleição à aliança. A provação ajusta o homem ao mistério de Deus. O Espírito faz discernir no mistério da cruz a passagem da primeira para a segunda criação; a passagem do egoísmo ao amor. A prova é pascal.
A expressão “livra-nos” (no grego rissai) sugere a necessidade de se invocar o poder de Deus nos perigos da vida. “O espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26,41); mas Deus “é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós” (Ef 3,20). Aqueles “guiados pelo Espírito” através de sua revelação serão capazes de mortificar as “atitudes do corpo” (Rm 8,13s) e produzir “o fruto do Espírito” (cf. Gl 5,22). Quando formos assim “fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior” (Ef 3,16), Cristo habitará em nós e estaremos libertados de todo o mal.
Quem perseverar ate o fim será salvo (Mc 13,13).
Pregação: “Não nos deixes cair em tentação”
Local: IECLB – Santa Maria, RS
Data: 14 de maio de 2011.
Tempo: 125 minutos.
Auditório: 250 pessoas
O autor é Biblista. Escritor e Doutor em Teologia Moral. Possui mais de 100 livros publicados no Brasil exterior. Prega retiros de espiritualidade e assessora workshops de teologia e estudos bíblicos. E-mail: kerygma.amg@terra.com.br