AMOR OU COBIÇA?

Certo homem rico e feio disse a uma donzela bonita e pobre: Você quer se casar comigo? E ela, que sabia da sua condição de abastado, respondeu: Quero ! Ele, então, providenciou a festa. Mas, nos acertos finais, ela ficou sabendo que o regime de casamento seria com separação de bens. Decidiu, portanto, voltar a sua palavra atrás e desfazer o noivado. Será que foi porque ela se sentiu insegura em não ter suas pretensões concretizadas pela posse dos bens que numa eventual separação, por morte ou incompatibilidade com o marido, lhe poderia favorecer?

Ao ter ela respondido afirmativamente para ele, ela havia pensado: Muitas mulheres o querem para marido e ele preferiu a mim. Ainda que ele não seja lindo príncipe, com o conforto que ele me pode dar, isso se torna secundário, e até sem importância. Aliás, príncipe encantado não existe mesmo. E, caso não dê certo, com aquilo que me tocar, não fica difícil eu mesma escolher aquele que me agrada.

Ele, por sua vez, não tinha essa linha de raciocínio, mas pensava: Ora, se eu sou concorrido, e posso escolher aquela que me agrada, por que eu vou casar com qualquer uma? Afinal essa é bonita e muitos a pretendem por isso. Ainda que eu não a ame apaixonadamente, é melhor que seja algo que cause admiração entre os amigos. Mas tinha ele a intenção de não se unir em regime de comunhão de bens, para não passar por bobo no caso de uma possível separação por “incompatibilidade de gênios”. Além do mais, ele não queria vir a ficar nenhum pouco menos rico, cedendo nada pra ninguém.

Por ele ter resolvido voltar atrás a sua palavra, ela analisou: Ora, eu sou bonita e muitos me querem, ainda que sejam pobres. O rico me quer, mas não quer partilhar comigo aquilo que está em seu poder: o direito de ser dona, com ele, daquilo que ele tem. Se ele não quer me dar o que ele pensa ser tudo e não é nada (sua riqueza), certamente que ele também não se dará totalmente a mim. Ele me terá como um dos seus bens, adquiridos com o seu poder. E parece que ele me quer sempre pobre. Além do mais, depois que ele me fisgar, sentirei vergonha de deixar aquilo que poderei obter: o conforto de uma boa casa, com servos, etc.; e se não der certo, eu serei, portanto, uma prisioneira. Melhor não.

Uma questão ímpar. Ele não abrindo mão do seu orgulho e sentimento de poder. Ela não confiando que lhe conquistaria o coração e obteria dele o que desejasse. Era insegura. E viu a sua arma, a beleza, não lhe servir aos fins que ela lhe queria. Ele, cobiçando uma linda mulher não só para si, mas para servir de boneca para ser mostrada; ela querendo não apenas um marido, mas aquilo que ele tinha, a fim de ser não apenas uma mulher com marido e nome, mas com bens e poder.

Imagine se ela ao se casar com ele deixasse a sua beleza num lugar que não viesse a servir aos anelos dele! Será que isso o agradaria? Não é de estanhar que, nesse caso, quando a miséria e a fome virem bater à porta deles, esse amor fuja pela janela.