SEMEANDO NO INFERNO

Eu já havia semeado em prisões, em hospitais, em lares, em vias públicas, por meio radiofônico, etc, mas no inferno ainda não me havia ocorrido que eu pudesse fazê-lo, e num momento em que, na cidade onde moro, ele estivesse cheio, tanto de vivos como de mortos. Para esse lugar eu já tinha uma semente, pois o espírito já havia me concedido matéria literária para tal. Mas semear para vivos entre mortos, numa ocasião em que aqueles pudessem ponderar ou considerar e aplicar em suas vidas em tempo de ainda ser possível reverter os seus estados era coisa que eu não havia cogitado. Mas chegou o tempo e eu aproveitei a oportunidade.

Era o dia dos mortos. Não de alguém morrer, já estava morto mesmo, mas de ser lembrado por aqueles que se consideravam vivos, os quais têm por costume uma vez ao ano lembrar ou relembrar aqueles que um dia estiveram entre eles e se foram, e que agora fazem falta ou causam saudades. Assim era dois de novembro, dia de “finados”, dito de todos os “santos”.

Assim, era um dia especial. Pois nesse dia as pessoas “mortas-vivas”, ou os mortos que ainda estão entre vivos visitam os infernos e aqueles que lá descansam, devido ter sido escolhido um dia para isso, quando estão com os seus sentimentos mais latentes, ou aflorados, o que propicia uma ótima oportunidade para lhes falar em como estar preparados para o momento em que também ali descansarão. Não mais seria possível falar aos mortos-mortos. Pois ainda que lá seja suas casas, o que ali está são seus restos mortais, ou o pó no qual se tornou aquilo que outrora existiu, e que, quando em vida, poderia ter sido cheio de força e beleza e também cheio de vaidades e fraquezas, como ódio, soberba, etc.

E armado daquilo que o Espírito me havia concedido caminhei para lá. E no inferno da minha cidade, se é que posso chamar assim a cidade em que resido, fui ao entardecer até eles. É que como essa cidade fica no norte do país, nessa época é verão, onde os dias são muito quentes até por volta das duas horas antes do por-do-sol. Por isso ali a prática é se visitar os cemitérios ao final do dia, quando o sol já está declinando no horizonte e já próximo do ocaso. E lá chegando aproveitei para fazer uma prédica, ou sermão, e distribuí as sementes (literaturas) com a semente (mensagem) que eu havia preparado sem saber que um dia teria ocasião propícia de semeá-la (divulgá-la) tão oportunamente.

Para um leitor menos esclarecido, devo dizer que eu não tive que entrar em nenhum lugar de trevas ou onde houvesse fogo abrasador, pois, como citei atrás, nós, vivos, não suportamos temperaturas elevadas, razão porque na minha cidade vão aos infernos para chorar aqueles que outrora foram seus parentes e amigos, no final do dia e à noite, quando a temperatura ambiente já está amena. É que “inferno” é uma palavra do latim, e que significa cemitério ou sepultura. Portanto, lá eu estive e semeei para aqueles que foram chorar seus mortos. Ou os mortos-vivos que foram relembrar os seus mortos de verdade e os mortos-vivo. Digo isso e assim, ou desse modo, pois existirem os “mortos-mortos”, ou seja, aqueles que morreram em trevas de pecado, ou nas trevas do pecado, e existem os “mortos-vivos”, ou seja, aqueles que ainda que mortos na matéria, estão como vivos para Deus, pois morreram em santificação dos mandamentos de Deus, o que lhes garante certeza de vida eterna, e que, portanto, estão como vivos diante de Deus.

E eu semeei para os vivos-mortos, ou seja, para aqueles que ainda que estejam entre vivos estão como mortos, pois ainda estão vivendo na prática do pecado, estando como mortos para com Deus, como disse Jesus em certa ocasião para um mancebo que pretendeu lhe seguir, mas que lhe pediu que o deixasse primeiramente enterrar a seu pai: “Jesus, porém, disse-lhe: Segue-me, e deixa os mortos sepultar os seus mortos.” Mt. 8:22.

Como eu poderia ir aos que jazem no pó da terra e lhes falar, se, como disse Jesus na parábola do rico e Lázaro, existe um grande abismo entre mim e eles?

Existem outros que ainda que vivos-mortos também semeiam diariamente nos infernos, para fazer vicejar flores nas sepulturas dos mortos, e aparentar cuidado e zelo, ou ternas lembranças, ou por lhe remunerarem o trabalho que fazem. Mas esse trabalho não me cabe, e sim o primeiro aqui citado.

Lancei a semente dentro do inferno e espero que alguma possa germinar numa terra boa, ou seja, num bom coração, ainda que ninguém se tenha manifestado nem na ocasião nem posteriormente. Mas como um é o que planta e outro o que rega, mas Deus quem dá o crescimento, espero que outro possa ter colhido aquilo que semeei. “Por isso, nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento”. I Co. 3:7. “Porque nisto é verdadeiro o ditado, que um é o que semeia, e outro o que ceifa”. Jo. 4:37.