Entre o grito e o silêncio, onde está a ética? /ᐠ。‿。ᐟ\
A liberdade de expressão é um dos alicerces da vida democrática. Ela nos permite dizer, pensar e discordar em voz alta, sem medo da mordaça. Está protegida pelo artigo 5º, inciso IV, da Constituição de 1988, que garante a todos o direito de se manifestar livremente, impedindo qualquer forma de censura prévia. Essa proteção é essencial para que ideias circulem, para que o pluralismo floresça. Ainda assim, uma pergunta persiste: até onde vai esse direito? Seria ele ilimitado? Cabe, sob esse manto, ferir, mentir ou humilhar?
A convivência democrática exige freios morais e jurídicos. Nenhuma liberdade pode ser usada para destruir o outro. Defender a liberdade de expressão é, também, reconhecer o dever de não ultrapassar a linha que separa o diálogo do ataque. O jurista Pedro Serrano, da PUC-SP, lembra com precisão: esse direito sustenta a democracia, mas não pode ser usado como pretexto para violar outros direitos igualmente fundamentais.
A livre circulação de ideias é o que oxigena uma sociedade crítica e consciente. Quando a palavra é calada, a democracia adoece. No entanto, quando a fala vira arma, o que se tem já não é liberdade, mas violência. O discurso de ódio, disfarçado de opinião, não argumenta — agride. Entre 2018 e 2022, os casos de injúria racial cresceram 30%, segundo o Conselho Nacional de Justiça. Isso diz muito. A liberdade, quando usada para humilhar ou incitar o ódio, perde seu valor e trai sua essência. É preciso lembrar: sem dignidade, não há democracia possível.
A Constituição é clara: a honra e a imagem das pessoas também são protegidas (art. 5º, inciso X). Democracia se faz com direitos que dialogam, não com prerrogativas que se anulam. O desafio está em manter o equilíbrio. O direito de falar não pode esmagar o direito de existir.
Nesse contexto, o caso da Escola Base é emblemático. Em 1994, os proprietários da escola, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, além de um pai de aluno e um motorista escolar, foram falsamente acusados de abuso sexual. A investigação provou que as denúncias eram infundadas. A imprensa, entretanto, tratou o caso com sensacionalismo e não foi a fundo nas investigações. Resultado: vidas foram destruídas. O episódio se tornou símbolo da irresponsabilidade na veiculação de informações, que hoje seria classificado como disseminação deliberada de desinformação.
Lamentavelmente, a grande mídia aderiu precipitadamente à narrativa acusatória sem investigar os fatos. Veículos como O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, IstoÉ, Editora Abril, Rede Globo e SBT tiveram de pagar indenizações pesadas aos acusados por divulgarem informações falsas. Pergunta: como divulgar informações sem destruir vidas?
De outro lado, os críticos da limitação temem abusos de poder. Decisões judiciais recentes, como remoções de conteúdos na internet, reforçam essa preocupação. A verdade: a linha entre regulação e censura é, de fato, muito delicada. Ainda assim, alguns marcos são necessários. O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma o direito à liberdade de expressão, mas lembra, com clareza e sensibilidade, que esse direito não se exerce sem responsabilidade — porque toda palavra lançada ao mundo carrega o poder de construir pontes ou acender incêndios. Ignorar isso é negligenciar o impacto das palavras no tecido social.
Para ficar bem claro: regular não é censurar a manifestação livre do pensamento. A lei é clara. Nosso Código Penal prevê regras contra difamação (art. 139), calúnia (art. 138) e injúria (art. 140). Essas normas existem para proteger a integridade moral de todos os cidadãos.
Pois bem. A liberdade de expressão é inegociável, mas não é absoluta. Ela exige responsabilidade coletiva. Nesse processo, a educação é fundamental. Promover uma cultura em que o respeito mútuo minimize a necessidade de restrições formais. Escolas e meios de comunicação devem fomentar o diálogo ético e construtivo. A liberdade de expressão ocorre onde há tolerância. Defendê-la é reconhecer tanto sua potência quanto seus riscos. Restrições mal ajustadas sufocam. Liberdade sem responsabilidade destrói vidas e pessoas. E você, leitor, está pronto para as consequências do que diz?
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