Avibras: existe soberania no Brasil?
A história recente do Brasil está marcada por decisões que comprometem, a médio e longo prazo, a capacidade do país de sustentar sua autonomia tecnológica, geopolítica e industrial. Uma das mais graves, ainda que ignorada pelos meios tradicionais de comunicação e pela maioria da população, é a iminente desnacionalização da empresa Avibras Indústria Aeroespacial S.A., uma das últimas joias da engenharia de defesa brasileira. O silêncio do governo e a inércia das instituições diante dessa ameaça colocam em xeque a própria soberania nacional.
Fundada há mais de seis décadas, a Avibras representa muito mais do que uma fabricante de armamentos. Ela simboliza o esforço histórico do Brasil em conquistar independência tecnológica em um setor dominado por potências estrangeiras. Seu principal produto, o sistema de artilharia ASTROS II, é reconhecido internacionalmente e opera em diversos países. A empresa liderava, ainda, o desenvolvimento do míssil de cruzeiro AV-TM 300, um projeto de longo alcance que colocaria o Brasil em um seleto grupo de nações com essa capacidade estratégica.
A crise da Avibras, portanto, não pode ser tratada como um simples problema de mercado. Trata-se de uma questão de Estado. A venda da empresa a capital estrangeiro — já em negociação — não representa apenas a perda de empregos e de expertise técnico-científica, mas a entrega de ativos sensíveis a interesses internacionais muitas vezes conflitantes com os do Brasil. É uma decisão que compromete diretamente a segurança nacional, a capacidade de dissuasão estratégica e a autonomia em política externa.
Ao mesmo tempo em que ignora a situação da Avibras, o governo insiste em manter sob controle estatal empresas notoriamente ineficientes, como os Correios, além de estruturas burocráticas que geram altos custos à União sem retorno proporcional à sociedade. Essa incoerência revela uma inversão completa de prioridades, onde o que deveria ser privatizado é mantido por conveniência política e o que deveria ser protegido é abandonado sob o falso pretexto de respeito ao livre mercado.
A defesa nacional não é um setor como outro qualquer. Não se trata de sabonetes, combustíveis ou telecomunicações. Trata-se de tecnologias sensíveis, de projetos que envolvem segurança cibernética, navegação autônoma, inteligência artificial e soberania territorial. Não há país desenvolvido no mundo que deixe suas empresas estratégicas à mercê do capital especulativo internacional. Israel, Coreia do Sul, Índia e Estados Unidos são exemplos de nações que compreendem a importância da autossuficiência em defesa.
O argumento de que o Estado não deve estatizar é falacioso quando aplicado de forma indiscriminada. O que se propõe aqui não é a estatização por motivação ideológica, mas por necessidade estratégica. A Avibras poderia ser absorvida temporariamente por um consórcio estatal, recuperada e, posteriormente, transferida a grupos privados brasileiros comprometidos com sua missão institucional. O que não é admissível é a total omissão do governo federal frente ao risco de perda de um patrimônio tecnológico que custou décadas de investimento.
Um dos maiores entraves para uma ação firme do Estado reside, paradoxalmente, na visão ideologizada que parte da esquerda brasileira nutre em relação ao setor militar. Após a redemocratização, consolidou-se entre muitos intelectuais e dirigentes progressistas a ideia de que qualquer investimento em defesa seria um flerte com o autoritarismo. Trata-se de uma interpretação rasa da história e profundamente prejudicial ao país. A defesa, em regimes democráticos modernos, é compreendida como um dos pilares da autonomia nacional, e não como uma herança do militarismo.
Negligenciar o setor militar por aversão ideológica é um erro cujas consequências podem ser irreversíveis. Ao privar-se da capacidade de produzir seus próprios armamentos, veículos de ataque e defesa, sistemas de comando e controle, o Brasil torna-se vulnerável à chantagem geopolítica e dependente de importações controladas por políticas externas alheias à sua realidade.
Por fim, é lamentável o completo silêncio da imprensa sobre o assunto. A mídia que se apresenta como guardiã do interesse público se cala diante de um tema que deveria mobilizar o país. O empresariado nacional, que ousa investir em áreas estratégicas, é deixado à própria sorte, enquanto o discurso oficial insiste em narrativas genéricas sobre “sustentabilidade” e “inclusão produtiva”, ignorando as bases materiais que sustentam a independência real de uma nação.
A possível perda da Avibras para o capital estrangeiro será lembrada — se nada for feito — como uma das mais desastrosas concessões do Estado brasileiro no século XXI. Não é apenas uma empresa. É um símbolo. É um legado. E é uma fronteira entre sermos um país protagonista ou seguirmos como nação periférica, exportadora de matérias-primas e importadora de soberania.
O tempo urge. Se o governo não agir agora, o futuro cobrará caro sua omissão.