Imposto de Renda: Enfim, o debate que importa
O governo encaminhou ao Congresso uma proposta de mudanças no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Em termos simplificados, as pessoas que ganham até R$ 5.000 por mês ficarão isentos de IRPF, enquanto as que ganham acima de R$ 50.000 por mês pagarão uma alíquota adicional de 10% para os valores acima disso. A proposta do governo é a mais importante desde o início do terceiro mandato de Lula e começa um debate fundamental para o país, que é se um dia teremos um país mais justo.
Começando pelo lado mais simples da proposta, a isenção de IRPF para quem ganha até R$ 5.000. É uma medida que corrige parcialmente uma grande injustiça, causada pela falta de correção da tabela por mais de 10 anos. Significa em termos práticos, que quem ganha este valor não terá nenhum desconto de IRPF sobre sua renda, o que equivale a receber um aumento de 11% no salário mensal ou 1,25 salário a mais num ano. Quem ganha até 5.000 não é rico, a maior parte desse dinheiro será usado no consumo, vai beneficiar o comércio e a arrecadação das cidades com outros tributos, gerando empregos e crescimento da economia. O lado ruim é que isso deve fazer com que a inflação suba ou não caia. Mas o fato é que esse dinheiro fará pobres e parte da classe média viverem melhor, o que é um bom gasto de recursos. É pouco provável que o Congresso tenha a coragem de rejeitar essa proposta, que beneficia 10 milhões de brasileiros.
Sempre é bom lembrar que todos os países desenvolvidos têm a maioria da população na classe média. Só assim, com a maioria conseguindo se sustentar com seu trabalho e salários, é possível ter políticas efetivas para os mais pobres. Enquanto esses forem a maioria, não há dinheiro que chegue para combater a miséria.
O governo propõe compensar esse gasto cobrando mais impostos dos que recebem acima de R$ 50.000 por mês. Gente nessa situação é rica, por mais que se diga de classe média. Alguém que ganhe tanto, não vai perder absolutamente nada de importante por pagar um pouco mais de imposto. São tão poucos e tão ricos que não interferiria no consumo, e o aumento de tributação é tão pequeno que nem fará ninguém sair do país, pois lá fora impostos sobre a renda são em regra maiores. A nova regra impactaria servidores acima do teto, com duplo efeito positivo para governo, redução deste gasto insano e aumento da receita com IRPF. No entanto, menos de uma semana da divulgação da proposta, já chovem argumentos contrários à cobrança, e é quase certo que no mínimo a proposta será "desidratada" com a criação de exceções não tributáveis, se é que essa parte não será de todo recusada.
É bem provável que a oposição vá pelo caminho de sempre, de criticar o aumento do gasto público com a medida. É cortina de fumaça, viemos de dois governos de direita que nada fizeram para reduzir o Estado naquilo que gasta mal, como super salários de servidores, os juros de mais de 10% ao ano para quem compra títulos públicos sem riscos, emendas secretas de deputados, submarinos nucleares, caças Griphen, as dezenas de subsídios para empresários, a pejotização para fugir dos impostos sobre salários, a Sudene, a Zona Franca de Manaus, aposentadorias integrais de mais de 20 salários mínimos para quem não produz mais, a isenção de tributos para dividendos, os penduricalhos do Judiciário, Legislativo e Ministério Público, uma lista quase infinita de outras vantagens para a elite da população pagas por todos os brasileiros. Engraçado que ninguém que fala em reduzir o tamanho do Estado pensa nisso, só falam de cortar despesas com educação, saúde, salário mínimo e Bolsa Família, das quais os pobres dependem para viver.
E aí chegamos no debate que importa, que é se o Brasil vai ou não ficar um país menos desigual. Desde a Constituição de 1988, todas tentativas de tributar os mais ricos foram combatidas, adiadas e por fim esquecidas. Será que um governo sem maioria no Congresso conseguirá mudar isso? É muito pouco provável, porque quem vai votar é o Legislativo e quem vai julgar se o aumento é legal é o Judiciário, justamente os dois poderes com mais pessoas que recebem acima de R$ 50.000 num mês, junto com o Ministério Público. As chances são muito grandes contra a aprovação integral desta tributação e remotas de ser implementada uma proposta de menor taxação.
Entretanto, ao aprovar a primeira parte sem a segunda, o Congresso será responsável por aumentar o déficit público, o que vai gerar grande debate. O governo pode e deveria jogar isso na comunicação e usar isso nas eleições, eleitores racionais - que quase não temos - não votariam em congressistas assim. Talvez não o faça, porque precisa do Congresso para outras propostas.
A proposta do governo é corajosa, lança o debate sobre o que a população quer, que a maioria das pessoas receba melhores salários e os ricos paguem mais impostos, ou que continue como está há anos, tudo a favor da elite. Pela primeira vez em décadas, discute-se uma pauta de interesse da maioria dos brasileiros e que pode trazer mudanças reais na vida das pessoas. Há poucas esperanças, todavia, é um grande progresso para um país que se acostumou a só aceitar o aumento da desigualdade como se fosse algo inevitável finalmente discutir uma melhor distribuição de renda.