O jogo de poder silencioso: Alexandre de Moraes e a arte da governabilidade autoritária com verniz democrático

Resumo

Este ensaio analisa, sob uma perspectiva jurídico-política e sociológica, a atuação do ministro Alexandre de Moraes como símbolo de um modelo de dominação sofisticada no Brasil contemporâneo. Parte-se da hipótese de que há um processo de consolidação de poder nos bastidores institucionais, ancorado em decisões monocráticas, repressão seletiva e manipulação da percepção social, mas legitimado pelo discurso da defesa do Estado Democrático de Direito. Com base em autores como Robert Dahl, Steven Levitsky, Lucan Way e Norberto Bobbio, argumenta-se que o modelo vigente se aproxima de uma forma de autoritarismo competitivo, com aparência democrática, mas com mecanismos sutis de concentração de poder.

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1. Introdução

A democracia moderna não é necessariamente incompatível com práticas autoritárias. Como adverte Bobbio (2000), o risco das democracias contemporâneas reside justamente na sua instrumentalização por elites jurídicas, tecnocráticas ou econômicas, que se valem dos mecanismos institucionais para assegurar dominação sob aparência de legalidade.

No Brasil atual, o Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente na figura do ministro Alexandre de Moraes, parece personificar essa lógica. A centralização de poderes, a repressão seletiva de opositores e a substituição do devido processo legislativo por decisões judiciais com força normativa acendem o alerta sobre os limites entre Estado de Direito e Estado Judicial de Exceção.

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2. A arquitetura da dominação tecnocrática

A concentração de poder no Judiciário — sobretudo por meio de decisões monocráticas e processos judiciais sem amplo contraditório — tem sido apontada por diversos juristas como uma ameaça ao princípio republicano da separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal de 1988)[^1]. A atuação do ministro Moraes, ainda que formalmente amparada no Regimento Interno do STF, gera controvérsias quanto ao alcance e aos limites dessa normatividade.

Como observa Barroso (2020), o protagonismo judicial deve ser funcional, nunca político. No entanto, o STF tem assumido papel de "protetor da ordem constitucional" de forma proativa, muitas vezes invadindo competências próprias do Legislativo ou do Ministério Público.

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3. O autoritarismo competitivo: quando o verniz democrático encobre o arbítrio

Levitsky e Way (2010) conceituam o autoritarismo competitivo como um regime híbrido, no qual instituições democráticas existem formalmente, mas são manipuladas sistematicamente em favor da permanência de uma elite no poder. A repressão seletiva, o controle do discurso público e o uso instrumental da legalidade são marcas desse modelo.

No caso brasileiro, percebe-se o uso recorrente de figuras como o inquérito das fake news (INQ 4.781/DF) e o inquérito dos atos antidemocráticos como ferramentas de repressão política e não apenas jurídica. A extensão da persecução penal sem provocação do Ministério Público desafia os princípios do sistema acusatório (art. 129, I da CF/88 e art. 3º-A do Código de Processo Penal)[^2].

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4. A tática do afrouxamento: contenção social sob ilusão de liberdade

A contenção social não se sustenta apenas pela força, mas também por mecanismos de engenharia perceptiva. Um Estado que alterna repressão com permissividade estratégica promove uma sensação ilusória de liberdade controlada, fenômeno descrito por Foucault (1987) como "tecnologia de governamentalidade". Moraes parece dominar tal técnica: garante controle institucional nos bastidores, mas periodicamente permite aberturas simbólicas para mitigar o risco de insurreições sociais.

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5. Bem-estar mínimo e resiliência negativa como anestésico social

O autoritarismo contemporâneo se sustenta também por meio da manipulação das expectativas econômicas. O mínimo existencial garantido por políticas públicas assistencialistas cumpre, nesse contexto, um papel de neutralização da revolta popular. O povo não reage ideologicamente, mas materialmente. Trata-se de uma estratégia descrita por autores como Jessé Souza (2015) no conceito de “ralé estrutural”, cujas necessidades básicas são constantemente dosadas para impedir mobilizações disruptivas.

A passividade nacional pode ser lida como uma resiliência negativa — termo que aqui propomos como designação da capacidade de suportar arbitrariedades por longos períodos, sem que isso se converta em reação social efetiva. Moraes, enquanto operador estratégico do sistema, parece saber o quão fundo pode tensionar as estruturas sem provocar colapso.

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6. Legalidade formal e legitimidade real: o paradoxo da dominação invisível

A dominação jurídica mais eficaz não é aquela imposta pela exceção manifesta, mas aquela que se opera sob a aparência da norma. Norberto Bobbio (2000) já advertia sobre a "invisibilidade da oligarquia moderna": ela se esconde atrás da institucionalidade. Quando a repressão se dá por vias processuais, quando a censura se apresenta como tutela informacional e quando o arbítrio se esconde sob fundamentos constitucionais, a sociedade dificilmente reconhece o desvio democrático.

A atuação de Moraes, nesse sentido, pode ser vista como a encarnação perfeita dessa lógica: controle disfarçado de salvaguarda, censura travestida de combate à desinformação, tutela institucional revestida de zelo democrático.

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7. Considerações finais: o Brasil suportará até 2026?

A estabilidade institucional brasileira até 2026 dependerá não apenas do calendário eleitoral, mas da capacidade de manutenção dessa engenharia de dominação com aparência democrática. A erosão econômica, a fragmentação social e o descrédito institucional podem tornar esse arranjo insustentável. No entanto, como já demonstrou a história nacional, o povo brasileiro parece acostumado ao peso silencioso da dominação. Moraes sabe disso — e joga com esse trunfo.

Ainda que a estrutura formal das eleições permaneça, não se pode garantir que o processo eleitoral de 2026 será isento, competitivo e plural. A permanência da atual lógica autoritária, travestida de legalidade, coloca em risco a própria ideia de alternância de poder.

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Referências Bibliográficas

BARROSO, Luís Roberto. O novo papel do Supremo Tribunal Federal. Revista de Direito Administrativo, v. 275, p. 87-106, 2017.

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

DAHL, Robert. A democracia e seus críticos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2001.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1987.

LEVITSKY, Steven; WAY, Lucan. Competitive Authoritarianism: Hybrid Regimes after the Cold War. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.

SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: UFMG, 2009.

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Notas de rodapé

[^1]: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 2º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

[^2]: Código de Processo Penal. Art. 3º-A: “O processo penal será estruturado em contraditório, ampla defesa e sistema acusatório, vedadas a iniciativa do juiz na fase investigatória e a substituição da atuação probatória do órgão acusador.”

Elias dos Santos
Enviado por Elias dos Santos em 12/03/2025
Reeditado em 14/03/2025
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