IDEOLOGIA, EU NÃO QUERO UMA PRA VIVER!

Contrariando Cazuza. E, afinal, ele era compositor e músico, não filósofo. Eu, por outro lado, me alinho mais aos pensadores. E nem de Barão eu gosto tanto assim — prefiro o punk rock politizado de Brasília, como o da Plebe Rude.

 

O ceticismo como bússola intelectual

O ceticismo de Montaigne era moderado e pragmático, sem cair no extremo do imobilismo intelectual. Sua abordagem estava mais próxima da ideia de que devemos questionar nossas certezas e reconhecer os limites do conhecimento humano, sem necessariamente negar a possibilidade de alcançar algum nível de verdade prática.

 

Nos Ensaios, ele frequentemente usava a expressão “Que sais-je?” (“O que sei eu?”) para expressar essa humildade intelectual. Seu ceticismo também tinha um aspecto existencial e ético: em vez de buscar verdades absolutas e dogmáticas, ele incentivava a reflexão individual, a tolerância e a adaptação às incertezas da vida. Essa postura não apenas mantém a mente aberta, mas também transforma a dúvida e a incerteza em motores da curiosidade e da descoberta, levando ao verdadeiro conhecimento.

 

Filosofia, ideologia e dogmatismo: as fronteiras do pensamento

Uma corrente filosófica é um conjunto de ideias e reflexões que busca entender aspectos fundamentais da realidade, do conhecimento, da moral e da política. Seu objetivo não é impor verdades absolutas, mas estimular o pensamento crítico e ampliar a compreensão do mundo. O ceticismo, por exemplo, é uma corrente filosófica que questiona a possibilidade de conhecimento absoluto.

 

Já uma ideologia é um sistema de crenças e valores que orienta a visão de mundo de um grupo ou sociedade, influenciando comportamentos e justificando estruturas políticas, sociais e econômicas. Seu propósito não é apenas compreender a realidade, mas propor princípios normativos que direcionam ações e decisões. O liberalismo, por exemplo, é uma ideologia que defende a liberdade individual, a economia de mercado e a limitação do poder do Estado.

 

Enquanto a filosofia se dedica a questionar e refletir, a ideologia busca convencer e orientar, tornando-se uma base para movimentos políticos e sociais. O dogmatismo, por sua vez, é a aceitação rígida de uma verdade como inquestionável. Enquanto a filosofia incentiva o debate e a dúvida, o dogmatismo rejeita qualquer contestação, impondo suas crenças como absolutas.

 

Assim, se o ceticismo filosófico representa a dúvida constante e a busca pelo conhecimento, a ideologia direciona o pensamento para determinados fins, e o dogmatismo se fecha à possibilidade de revisão ou mudança de ideias.

 

O perigo do pensamento dogmático

O contraponto do ceticismo é o pensamento dogmático, e ninguém é mais obtuso e ignorante do que alguém que acredita piamente em uma ideia como um mandamento sagrado, divino, caído do céu — uma verdade absoluta e incontestável. Fé e espiritualidade são uma coisa e podem ser saudáveis. Dogmatismo é a disfunção da fé e pode levar a tragédias. E o dogmatismo não se restringe à religião; muitas vezes, ele é também ateu.

 

Quando ideias viram armas: marxismo, religião e o culto à violência

As distorções dogmáticas do pensamento marxista, por exemplo, levaram a tragédias como os expurgos de Stálin na União Soviética e as barbaridades cometidas pelo facínora Che Guevara. Ironicamente, Che se tornou um símbolo estampado em camisetas, talvez da mesma forma que Pablo Escobar, o traficante colombiano, cuja imagem também virou um ícone comercial. Ambos sanguinários, ambos idolatrados por uma cultura que romantiza o crime e a violência.

 

O mal exerce fascínio sobre o ser humano, o que talvez explique por que tantos se aventuram no satanismo e no ocultismo apenas para parecerem “diferentões”, em vez de buscarem a diferença por meio do esclarecimento.

 

Minha postura cética me permite enxergar essas disfunções do marxismo e criticá-las, assim como critico o dogmatismo da Igreja Católica e das correntes protestantes. As guerras religiosas entre católicos e protestantes, como a Guerra dos Trinta Anos, devastaram a Europa e tiveram ecos na cultura, no cinema — como em Gangues de Nova York, de Martin Scorsese — e até no futebol, na rivalidade entre Celtic (católicos) e Rangers (protestantes) na Escócia, que muitas vezes beira ao ódio.

 

A Inquisição, as caçadas religiosas e os escândalos de abuso sexual são problemas que atingem tanto católicos quanto protestantes, e como não sou dogmático, critico ambos sem distinção — assim como condeno os crimes cometidos sob o stalinismo.

 

O dogmatismo seletivo e a cegueira conveniente

O problema do dogmatismo, no entanto, é que ele cega as pessoas seletivamente. Muitos evangélicos condenam apenas a pedofilia na Igreja Católica, ignorando os inúmeros escândalos dentro das próprias igrejas. Da mesma forma, alguns marxistas relativizam os crimes de Stálin ou Che Guevara enquanto denunciam ditaduras de direita.

 

Mas encarar um problema dizendo “o vizinho faz pior” não resolve nada. O exemplo dos alemães com o nazismo é o caminho correto: reconhecer o horror para que ele jamais se repita.

 

A liberdade de questionar

É por isso que o ceticismo e a ausência de dogmatismo me permitem criticar governos, políticas e instituições sem rabo preso com ninguém. Posso questionar governos autoritários, instituições milenares como a Igreja e valores tradicionais que se impõem como verdades absolutas.

 

Como diz Harold Bloom: “Abaixo as verdades sagradas”. E isso só é possível através do ceticismo.

 

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 25/02/2025
Reeditado em 25/02/2025
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