Para os bolsonaristas, eu tiro meu chapéu, Raul Gil

Acho que vou voltar a falar de política, viu? Dá menos trabalho e traz mais leituras. E, sendo bem sincero, é por isso que eu escrevo: as leituras, mesmo não ganhando nada com elas, são a minha remuneração como escritor amador. Mas, como naquele meme, “tava com saudades, né minha filha?”

 

Quero começar destacando algo que, apesar de tudo, me chama a atenção. É admirável a coragem de quem se diz bolsonarista, e ainda mais de quem o defende, sem ganhar nada por isso. Aquele Alan dos Panos, o Brasil Paralelo e a Jovem Pan, pelo menos, recebiam (ou recebiam, não sei mais). Mas os que seguem, sem nenhuma compensação financeira, ainda assim lutam por uma causa perdida.

 

E quais são as prioridades desse pessoal? Família, liberdade, Deus. Família? Bolsonaro, que já foi casado sei lá quantas vezes, fala que tem um apartamento destinado exclusivamente para “comer” gente. Liberdade? Liberdade de quem planejou um golpe de estado. E Deus? São valores cristãos, esses de quem comunga com Trump, de expulsar os estrangeiros, de não amar os próximos, de falar palavrão e de não reconhecer identidades de gênero, para quem quiser se identificar como tal. Isso tudo é o duplipensar de George Orwell, conceito de inversão de valores para manipular a percepção da realidade: “guerra é paz”, “liberdade é escravidão”, “ignorância é força”.

 

Não deve ser fácil ser reconhecido como alguém que não aceita a pluralidade, que não vê as desigualdades sociais e que só pensa no seu próprio umbigo. Ser bolsonarista representa exatamente isso. E, então, vem a pauta mais obscurantista de negar os terrores da ditadura e das torturas, falar dessa época com saudosismo. Imagina o arcabouço intelectual necessário para defender tudo isso?

 

E aí, eles negam a obra de Paulo Freire, a influência de Marx como pensador? Os benefícios da sociedade da revolução francesa? Que por uma questão de ideologia e terem decorado uma cartilha, como papagaios de piratas, não podem admitir. Ao mesmo tempo que os de terrores perpetrados pela igreja, que em tese defendem, eles ocultam. Ora, se for falar de stalinismo, che guevara, porque não falar das cruzadas e inquisição também? Eu como não tenho lado, ideologia e rabo preso com ninguém, critico a todos e pra mim tudo não passa de formas de niilismo reativo.

 

Quando rebato esses “teóricos reacionários”, é muito fácil porque os fatos e a história estão do meu lado. Basta que eu os relate. Já para eles, resta a inversão da verdade e o sofismo. Não deve ser fácil convencer alguém com um grito ou pela repetição de mentiras, tentando fazer com que uma falsidade contada inúmeras vezes se torne verdade.

 

E querem me convencer de que um filósofo de quinta como Olavo de Carvalho é mais relevante que Paulo Freire? Olavo não é maior nem que Paulo Francis, quanto mais que Paulo Freire! Mas, claro, eles não conhecem a obra de nenhum dos dois.

 

Embora eu não me considere de esquerda, gosto da explicação que Deleuze dá sobre o que é ser de esquerda. Ele usa a metáfora de um círculo em gradiente. No último círculo, está a consciência de que não podemos viver opulentamente sem pensar nas pessoas que passam fome no mundo. Que não podemos construir uma casa sem ter em mente o impacto no meio ambiente. Que não podemos usufruir de um convênio de saúde sem considerar aqueles que dependem de ajuda para ter acesso a cuidados médicos. Quanto mais perto do centro do círculo, mais egoísmo e competição, uma busca incessante por bens materiais, sem se importar com o próximo. Portanto, Deleuze conclui que, quanto mais próximo do centro do círculo, mais à direita você está. Sob essa ótica, então, me considero de esquerda. E, claro, anti-bolsonarista. Sempre. E sim Para os bolsonaristas, eu tiro meu chapéu, Raul Gil. Mas jogo no chão depois e piso em cima igual o seu madruga do Chaves.

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 24/02/2025
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