Lula Nunca Foi de Esquerda?

Atualmente tenho observado algo que me intriga profundamente — e, confesso, me preocupa. Nas redes sociais, onde as opiniões sempre são disparadas como balas sem mira, notei uma tendência crescente entre pessoas que se dizem de esquerda: afirmar, com uma convicção quase dogmática, que o governo atual não é de esquerda e que Lula, nosso suposto "líder esquerdista", na verdade sempre foi um político de centro-direita. Isso me faz questionar: será que estamos testemunhando um revisionismo histórico em tempo real, uma fuga estratégica de responsabilidade?

Vou ser direto: isso cheira a oportunismo. Por anos, Lula foi celebrado como o grande nome da esquerda brasileira. Sua trajetória sindical, seus discursos contra a elite, os programas sociais, as alianças com movimentos progressistas — tudo isso foi vendido como a materialização de um projeto esquerdista. Agora, porém, quando o governo enfrenta crises econômicas, denúncias de corrupção e uma crescente insatisfação popular, eis que surge uma narrativa conveniente: "Lula nunca foi de esquerda de verdade". Como assim?

Não me venham dizer que o homem que foi ovacionado por décadas como símbolo da luta contra o neoliberalismo, que se aproximou de governos como o de Chávez, Castro e Morales, que defendeu pautas progressistas em direitos sociais e criticou publicamente as políticas de direita, agora é um moderado de centro. Isso não cola. Parece mais uma tentativa desesperada de proteger a imagem da esquerda, como se dissessem: "Se deu errado, é porque não era nossa esquerda".

Confesso que me incomoda a desonestidade intelectual por trás disso. Quando as coisas vão mal, em vez de assumir erros ou revisar estratégias, parte da esquerda prefere reescrever o passado. É como se dissessem: "Lula não é mais um de nós". Mas quem, então, o ergueu como ícone? Quem usou sua imagem para unir movimentos sociais, sindicatos e intelectuais em torno de um projeto de poder? Não dá para apagar isso com um delete histórico.

E o que me deixa mais perplexo é a contradição. Nas redes, vejo comentários em vídeos críticos ao governo argumentando que "o PT nunca foi socialista" ou que "Lula é um capitalista pragmático". Ora, se isso fosse verdade, por que, durante anos, a direita o atacou justamente por ser "socialista", "populista" ou "aliado de regimes autoritários de esquerda"? A esquerda agora está ecoando o discurso que antes combatia? É bizarro.

Suspeito que há um medo oculto aqui: o de que o fracasso deste governo manche permanentemente a imagem da esquerda. Então, a solução é cortar o cordão umbilical. "Não fomos nós! Foi o centrão, foi o mercado, foi o Lula traindo os ideais!" — gritam. Mas cadê a autocrítica? Cadê a coragem de admitir que talvez o projeto tenha falhas estruturais, que a promessa de transformação radical era, no fundo, apenas marketing político?

Não sou ingênuo. Sei que política é um jogo de narrativas, mas isso aqui vai além. É uma manipulação grosseira da memória coletiva. Se hoje Lula pode ser retratado como um moderado que "nunca foi de esquerda", amanhã qualquer governo de esquerda que fracassar poderá ser apagado da história como um "desvio". E assim, a ideia de esquerda permanece intocável, pura, inalcançável — porque nunca é ela que está no poder, só suas "imitacas" traidoras.

Mas e o povo? Enquanto essa elite ideológica brinca de reorganizar suas bandeiras conforme o vento, o cidadão comum sofre com a inflação, o desemprego e a falta de perspectivas. Para ele, pouco importa se Lula é de esquerda ou centro-direita. O que importa é que as promessas não se concretizaram. E enquanto isso, os mesmos que antes vestiam camisas vermelhas agora se escondem atrás de teclados, dizendo: "Não, não fui eu quem apoiei isso".

No fim, o que vejo é uma tristeza. Não pela crítica ao governo — isso é saudável —, mas pela falta de integridade em assumir que projetos políticos, sejam de esquerda ou direita, carregam riscos e podem falhar. Redesenhar o passado para salvar a própria pele não é apenas covardia: é um insulto à inteligência de quem acompanhou a história sem filtros.

E eu me pergunto: se até o "líder esquerdista" vira um fantasma incômodo a ser exorcizado, o que resta da credibilidade de quem mudou o discurso só para não encarar o espelho?