Como as democracias morrem?

Ao longo da história, muitas democracias sucumbiram de forma gradual. Sua queda ocorre de maneira lenta, quase imperceptível, diante de gerações que, muitas vezes, não reconhecem a gravidade dos sinais até que seja tarde demais. Essa é a mensagem central de 'Como as Democracias Morrem', obra de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, publicada em 2018. Professores de Harvard e especialistas em ciência política, os autores traçam paralelos entre padrões históricos e os desafios contemporâneos que ameaçam as democracias.

O declínio de uma democracia começa com a fragilização dos pilares que sustentam seu sistema. Exemplos históricos não faltam: a rejeição de resultados eleitorais, a crescente desconfiança nas instituições e o uso da violência política como instrumento de poder. Esses comportamentos, que inicialmente podem parecer isolados, assemelham-se a rachaduras em uma estrutura. Se negligenciados, abrem caminho para o autoritarismo. A República de Weimar, na Alemanha dos anos 1930, é um exemplo clássico. A polarização extrema e a fraqueza institucional permitiram a ascensão de Hitler, que transformou uma democracia instável em uma ditadura brutal. Casos recentes, como os da Venezuela, Hungria e Turquia, mostram que este risco não é exclusivo do passado, mas uma ameaça sempre presente.

Esse fenômeno, no entanto, não é uma descoberta moderna. Já no século IV a.C., Aristóteles refletia sobre os perigos que rondavam as democracias. Ele identificou dois riscos principais: o populismo dos demagogos, que cativam as massas com promessas vazias, e o domínio das elites oligárquicas, que priorizam seus interesses em detrimento do bem comum. Para o filósofo, a preservação democrática dependia da participação ativa dos cidadãos e da solidez das instituições. Virtudes como justiça, respeito e cooperação eram essenciais para manter o equilíbrio do regime. Hoje, essas virtudes enfrentam desafios como a polarização extrema e o cinismo político, que corroem a confiança nos processos democráticos.

Levitsky e Ziblatt resgatam essa sabedoria atemporal, destacando o papel das elites políticas na proteção da democracia. A história mostra que, quando líderes colocam interesses pessoais acima do bem comum, as bases do sistema começam a ruir. A República Romana (509 a.C.-27 a.C.), que durante séculos foi um modelo de governo representativo, entrou em colapso com figuras como Júlio César e, mais tarde, Augusto, que concentraram o poder em suas mãos, transformando a res publica em um império autocrático. Hoje, uma pergunta inquietante emerge: os líderes políticos estão verdadeiramente comprometidos com a democracia ou apenas com suas próprias ambições?

As instituições, por sua vez, são o alicerce da democracia. Quando enfraquecidas ou manipuladas, tornam-se ferramentas de controle autoritário. A história está repleta de líderes que exploraram brechas institucionais para concentrar poder. Napoleão Bonaparte, por exemplo, aproveitou-se da instabilidade da Revolução Francesa (1789-1799) para se proclamar imperador, substituindo os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade por um regime autocrático. Aristóteles já advertia que a manipulação das massas e a centralização de poder são os primeiros passos rumo à tirania. E, uma vez iniciado esse processo, a linha que separa a liberdade da opressão torna-se perigosamente tênue.

Apesar disso, a democracia não é um projeto acabado. É uma construção inacabada, que exige esforço coletivo e comprometimento de todos. Seu equilíbrio depende da habilidade de superar extremismos e promover valores éticos que transcendam divisões partidárias. Vale lembrar que a queda da democracia ateniense (séc. IV a.C.), a ascensão do fascismo na Europa e os regimes autoritários do século XX são lições que não podem ser ignoradas. Em tempos de polarização acentuada e desinformação, o alerta de Levitsky e Ziblatt é claro: estamos fortalecendo a democracia ou, mesmo sem perceber, contribuindo para sua desintegração?

Portanto, o futuro da democracia está em nossas mãos. Cabe-nos aprender com os erros do passado e evitar que os ciclos de declínio se repitam. A história ensina que proteger a democracia exige coragem, discernimento e, acima de tudo, um compromisso genuíno com o bem comum. Como nos lembram Aristóteles e os autores, a democracia é frágil, mas possui valor inestimável. A questão é: estamos à altura desse desafio?