Por que anistia, não!

Não tem erro, no universo e contexto dos excessos, toda verve vazia de racionalidade, conquista corações e almas disponíveis. Assim foi, assim tem sido, desde que se deu aos canalhas voz e microfone. Não surpreende, então, que o discurso da anistia, mais que uma afronta, representa outro golpe no Estado Democrático e no direito à existência dos opostos; alicerce fundante da democracia. Representa a desfaçatez daquele, ou daqueles, que apostam na imunidade e na impunidade. São personagens que se julgam acima das normas. Tamanha afronta nos remete a tempos tristes, tempos que, parecem, merecedores de uma nostalgia que eles teimam em resgatar. Outro erro, igualmente afrontoso, é pensar que o Estado Democrático, como um sistema de pesos e contrapesos, não tem seus mecanismos de garantia da ordem. Esse sintoma de acreditar na impunidade, como meio de se perpetuar nas práticas desestabilizadoras do sistema Democrático, confere a seus defensores, um sentimento de impunidade. Uma clara negação que processos democráticos se alimentam da alternância de poder. Que só se consolida no respeito próprio dos processos decisórios.

Respeitar as eleições e seus resultados, mesmo que divergentes do esperado, ou planejado, é a garantia da democracia como meio de convivência pacífica dos envolvidos. Querer anistia, como medida de pacificação nacional, mais que um blefe asqueroso digno de todo repúdio, significa tripudiar toda conquista ao custo de muitas vidas. Significa, vilipendiar corpos e memórias de homens e mulheres que lutaram por tempos mais humanos e igualdade. Significa esconder nos porões da história, sem direito à abertura das portas, fatos e personagens que tentaram a desfaçatez do golpe. Significa dar ouvidos ao canto da sereia, ao canto da pacificação como medida unificadora nacional; medida desnecessária, oportunista, como a própria tentativa de ruptura da ordem democrática.

Aos defensores de supostas soluções em nome de uma maioria sem rosto, descontente com a recusa de suas abjetas ideias e ideais baseados na desigualdade e na manutenção de privilégios, nada mais resta, senão, e para o bem comum, do que o peso da lei. Falar em anistia, é negar às gerações futuras a possibilidade de vivências que se realizam somente quando compartilhadas sem obstáculos. Falar em anistia é tentar um segundo golpe, é dar ouvidos ao canto da sereia da pacificação. É semear nas gerações futuras a semente da inação. É tolerar essa e outras tentativas (que virão); assim aconteceu em 1979, quando se buscou a conciliação/pacificação, sem, ao menos, passarmos pela justiça de transição.

Não ao canto da sereia, sob pena de se repetir o mesmo filme já envelhecido pelo tempo, o mesmo erro que tanto prejuízo trouxe. Dura lex sed lex. A lei é dura mas é lei, e que seja cumprida para que preservemos nossa democracia e as gerações futuras desse fantasma que nos ronda pronto a desferir a espada sobre nossas cabeças. Não podemos, não vamos tolerar mais essa outra afronta, depois de tantas outras já tentadas, travestidas de salvar nosso país do comunismo ou coisas do gênero. Assim é em todo Estado Democrático e de Direito, assim deve ser, assim será. Não à anistia, é garantir à Democracia a importância do seu significado, afinal, democracia é obra em construção. Reforçar seus alicerces, pela lei, e sua aplicação correta, sem distinção de crenças, etnias e posições políticas, é tarefa de todos nós.