Quando o Brasil Trocou a Coroa por Farda e Ninguém Perguntou Nada
Na manhã abafada de 15 de novembro de 1889, a cidade do Rio de Janeiro despertava como em qualquer outro dia. O movimento no Largo do Paço ainda seguia o ritmo de carroças rangendo e vendedores ambulantes gritando suas ofertas. Quem estava distraído com o calor ou com os próprios problemas não poderia imaginar que o Brasil estava prestes a mudar de rosto — ou, quem sabe, apenas de máscara.
Nas ruas, ninguém falava em república. Para o povo comum, o imperador ainda era o velho Dom Pedro II, a figura serena que, apesar de distante, representava alguma estabilidade. Mas nas salas fechadas, entre conversas abafadas e olhares calculistas, outra história se desenrolava. Oficiais militares, fazendeiros e políticos arquitetavam um plano para virar a página do Brasil monárquico — ou rasgá-la de vez.
O marechal Deodoro da Fonseca, em seu uniforme impecável, era o rosto da mudança. Relutante no início, ele parecia mais um homem cansado do que um revolucionário. Estava adoentado e, dizem, nem queria sair de casa naquele dia. Mas foi convencido por aliados de que o império já não fazia mais sentido, de que era hora de tomar as rédeas e escrever um novo capítulo. À força, se necessário.
No entanto, não houve força. Nem mesmo um suspiro de revolta. Quando Deodoro proclamou a República, Dom Pedro II, de seu palácio, aceitou o golpe com a tranquilidade de quem sabe que resistir não adiantaria. O velho monarca apenas arrumou suas malas e embarcou para o exílio, levando consigo um silêncio que ecoaria por gerações. O trono foi deixado vazio — um símbolo poderoso para um país que, mesmo sem saber, aprenderia a viver sem reis.
Enquanto isso, o povo permanecia alheio. Não houve multidões celebrando nas ruas, nem gritos de vitória ou de protesto. No fim da tarde, os bares ainda serviam cachaça e os mercados fechavam cedo. Para o trabalhador comum, aquele dia foi como qualquer outro: uma batalha pela sobrevivência, uma corrida contra a fome. A República não chegou com festa; chegou como uma notícia de jornal, uma nota distante, quase indiferente.
Nas praças, os poucos que sabiam do ocorrido cochichavam: “Será que isso muda algo pra nós?” E a resposta pairava no ar como o cheiro da maresia: provavelmente, não.
Mas o Brasil, sem perceber, havia cruzado uma linha. O sol daquele dia se pôs sobre um país sem imperador, mas não sem desigualdade, sem privilégios ou sem as tramas ocultas que movem as elites. Era o começo de um novo capítulo — embora muitos sequer soubessem que uma página havia sido virada.
E assim, na sombra de Deodoro e no silêncio de Pedro, o Brasil tornou-se República. Um golpe, um gesto, e nada mais. O resto viria com o tempo. Ou talvez, como dizem os cronistas, o tempo continuaria sendo o mesmo.