A METAMORFOSE DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Ainda me lembro: PSD (partido social democrático) contra UDN (união democrática nacional). Muito criança, testemunhei de alguma forma a polarização acirrada dos anos cinquenta. Ambos defendiam a liberdade, os direitos dos cidadãos, o respeito ao erário e à ética, mas divergiam quanto à forma e a maior, menor ou nenhuma aplicabilidade desses princípios. Hoje seriam apelidados de partidos de esquerda e de direita.
Não raramente, pessedistas nasciam e morriam pessedistas. Udenistas, idem. Ideais passados de pai pra filho, inconfundíveis como a cor da pele. Aparentemente, uma luta constante entre os polos incongruentes da elite e dos cidadãos comuns; dos grandes proprietários de terra e dos camponeses e trabalhadores urbanos... Imperava o coronelismo, estrutura de poder mantenedora dos chamados currais eleitorais: porteiras fechadas de eleitores - tal como "gado" - negociáveis nos pleitos eleitorais.
Com o fito de diminuir tamanhas divergências, nasce também no pós-guerra, com menor visibilidade, o PTB (partido trabalhista brasileiro), a princípio visto como ponto de fulcro entre os polos supostamente conflitantes. O getulismo, carente de apoio popular, engajou-se, apropriou-se e se aproveitou dessa agremiação. Extinto no segundo ano da ditadura (1965), o PTB veio a ser refundado em 1979, entretanto, vale observar, mesmo que tenha surgido com a pretensão de representar o trabalhismo, em nenhum momento de sua história esteve dirigido pela classe trabalhadora. Seu comando, estrategicamente, esteve sempre constituído de políticos pinçados da elite dos outros partidos mandantes. Daí, a razão maior que ensejou o nascimento de um partido genuinamente trabalhista, nos idos de 1980: o PT (partido dos trabalhadores), constituído de lideranças sindicais, religiosas e de movimentos sociais. Ampliaram seu quadro, nessa época, os velhos ativistas que, anistiados, retornavam do exílio. Seu principal objetivo era o combate ao regime da ditadura militar. Com idêntico intuito ideológico, fundam-se, na mesma época, o PDT (partido democrático trabalhista) e, em 1985, o PSB (partido socialista brasileiro). Todos da chamada esquerda, já ensaiando as "Diretas Já".
A ditadura militar (1964/1985), abertamente apoiada pela velha UDN, buscou uma reestruturação geral da administração do país de cima para baixo, no molde dos quartéis: fecha o Congresso; elimina partidos e eleições; nomeia interventores para todos os estados; controla a Suprema Corte...
Aí, para que a ditadura não carregasse nuances partidárias do passado, a UDN se "renova", assumindo a sigla ARENA (aliança renovadora nacional). Em contraponto - quer dizer -, para fazer a inversão das vozes sem destoar do regime militar vigente, o que era PSD, desde o pós-guerra, passou a ser chamado de MDB (movimento democrático brasileiro), do qual falaremos mais adiante.
No início da década de oitenta, quase findando a ditadura, o país ingressa na fase do pluripartidarismo, oportunidade em que a ARENA é trocada pela sigla PDS (partido democrático social), estranhamente os mesmos termos (fora de ordem) do antigo "partido social democrático". Estaria, com isso, insinuando o seu fictício distanciamento do regime ditatorial ainda vigente?!...
Fatores como a perda de influência no Nordeste, a substancial diminuição dos currais eleitorais e circunstâncias outras, levaram o PDS (ex Arena, ex UDN) a mudar convenientemente sua sigla para PFL, que mesmo assim continuou definhando, pouco a pouco, e quase se anula durante a redemocratização. Observou-se essa queda maior a partir do momento em que o PT (partido dos trabalhadores) assumiu a administração do país (2003), passando o PFL a ser oposição, lugar onde nunca estivera antes.
Em 2007, ocorreu a refundação do pequeno PFL (ex UDN, ex Arena e ex PDS) que, acolhendo dissidências de parlamentares de outros partidos da direita, passou a ser denominado DEM (democratas). Em 2021, o DEM juntou-se ao PSL (que elegera um presidente da República em 2018) para formar o União Brasil (união), hoje um dos mais influentes partidos da centro-direita.
O antigo PSD (aquele do pós-guerra), partido contrário à ditadura, visto como o outro lado da UDN (depois ARENA), viu-se (em 1965) obrigado a retirar o termo "Socialista" de sua sigla, termo abominado pelo então regime militar por sugerir atividade própria de "comunistas". Passa a ser conhecido, então, como MDB (movimento democrático brasileiro), mais adiante PMDB (quando se impôs o uso do "P" no início de todas as siglas partidárias). Em 1988, dissidentes desse partido criaram o PSDB, mais à esquerda, alegando que o PMDB caminhava para a direita. Blefe! O PSDB é mais da direita que o MDB.
Com o pluripartidarismo: vários partidos pequenos se fundiram com um novo nome; alguns mudaram de sigla para um nome mais atraente; outros mudaram de direção (direita/esquerda), conforme as conveniências políticas...
Desse balaio partidário resultou um parlamento de 29 partidos políticos, poucos deles ainda coerentes com os seus princípios ideológicos. Valem mais as conveniências, conchavos políticos, os retornos financeiros e interesses pessoais. No momento em que se faz necessário algum corte no Orçamento da União, esquecem a taxação das grandes fortunas, as isenções concedidas às "commodities" e aos grandes empresários e partem para os cortes nos programas sociais, nos direitos dos trabalhadores, nas verbas destinadas à saúde e educação...
Quanto ao PT, vale destacar sua coerência. Apesar de inúmeros desgastes sofridos, principalmente à época em que os grandes empresários financiavam e manipulavam as campanhas eleitorais (pelo menos até o ano 2016), mantendo a maioria dos políticos no bolso, esse partido conservou intactas, aos trancos e barrancos, a sua sigla, a sua bandeira, a sua estrela, a sua história... Sua luta pelo social não muda enquanto houver bolsões de miseráveis, violência, analfabetismo e pobreza extrema no país. Como conseguir avançar nessa empreitada sem ocupar posição de comando no país?... Tentou eleger um presidente da República por três vezes, sendo torpedeado em sua pretensão. Em nenhum momento contestou a perda. Persistente, conseguiu o seu propósito na quarta tentativa, em 2002, com o mesmo candidato, isto porque se uniu ao PL (partido liberal), agremiação reconhecidamente conservadora, que apresentou um nome de peso para a vice-presidência. Hoje esse nome de peso já não existe, e o PL, paradoxalmente, ocupa a posição de maior dos adversário do mesmo governo petista com o qual já convivera.
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Com a não sustentação financeira privada dos embates eleitorais (desde 2016), os políticos encontraram inúmeras brechas para fruição do dinheiro público. Nada obstante os cofres de todos os partidos serem bem aquinhoados dentro do orçamento da União, cada parlamentar, por força constitucional, é ainda beneficiário de emendas parlamentares, cujos valores quintuplicaram na última década. Além do mais, no período 2019/2022, parlamentares, com a conivência do Executivo, criaram o inconstitucional e imoral "Orçamento secreto" - ainda não inteiramente debelado -, que consiste da remessa de grandes valores para prefeitos de suas zonas eleitorais gastarem sem qualquer previsão orçamentária. Secreto também era o nome do parlamentar remetente, enquanto o dinheiro público, o nosso dinheiro, escapa pelo ralo. Na última eleição municipal foram eleitos oito de cada dez prefeitos destinatários dessas verbas secretas. A imprensa divulga que 1/3 das obras previstas com tais remessas sequer foram iniciadas. E os parlamentares, beneficiários indiretos, queixando-se de o S.T.F. estar exigindo transparência dessa trapaça!...
Quase todos os países democráticos do mundo destinam, em média, 1,5% de suas receitas ao pagamento de emendas semelhantes aos seus parlamentares, enquanto o Brasil, incrivelmente, destina em média 24%. Ninguém vai conseguir consertar esse desmando. Quem tentar, perderá o cargo - e o tempo.
Enfim, eu quis mostrar, com alguns exemplos acima, como os partidos políticos mudam de cor, de sigla, de ideologia, de dono, de status e de tamanho, conforme as circunstâncias, para se esconderem de algum erro cometido. E nos levam em enxurradas para outros campos, ocultamente, furtivamente, disfarçadamente... E sempre crescem... E o povão, fiador insensato, obedece.
(fernandoafreire.net)