O intelectual e a política. Por Meraldo Zisman

As redes sociais, ao democratizarem a produção e a disseminação do conhecimento, também amplificaram a desinformação e a polarização, dificultando o diálogo e a construção de consensos.

Na sociedade contemporânea, testemunhamos um fenômeno preocupante: o eclipse de uma figura que, por séculos, desempenhou um papel crucial na vida das nações – o intelectual. A noção de “intelectual” emergiu no século XIX, particularmente durante o caso Dreyfus na França, e ganhou destaque com a publicação do célebre artigo “Eu Acuso”, em defesa do oficial judeu Alfred Dreyfus, injustamente acusado de traição em meio ao antissemitismo vigente. Hoje, muitos intelectuais conscientes da realidade em que vivem optam por se abster do debate público, confinando-se às suas disciplinas ou ocupações privadas, distantes do que, há meio século, se chamava de “compromisso” cívico e moral – o dever do escritor e do pensador para com a sociedade. Embora existam exceções, muitos dos que ainda alcançam a mídia estão mais interessados na autopromoção e no exibicionismo do que na defesa de princípios ou valores. Na civilização do espetáculo, o intelectual só desperta interesse se aderir às modas ou se transformar em uma figura caricata, perdendo, assim, a essência de sua crítica.

A verdadeira razão para o desinteresse da sociedade pelos intelectuais reside na diminuição do valor intrínseco do pensamento em uma era onde as imagens dominam as ideias, e os livros são relegados ao esquecimento. Atualmente, a política se entrelaça com a complexidade da vida moderna, tornando o papel do intelectual ainda mais desafiador e, talvez, mais marginalizado. Outrora visto como o guardião da moralidade e da razão, o intelectual contemporâneo enfrenta um cenário em que sua voz parece ecoar sem resposta. A sociedade do espetáculo, que domina a cultura atual, relega o intelectual ao segundo plano, onde sua função crítica é frequentem nte substituída pelo entretenimento superficial e pelas imagens efêmeras.

A ascensão das redes sociais e a superficialidade das mídias digitais contribuem para essa marginalização.

O debate público, muitas vezes reduzido a slogans e memes, não oferece espaço para a reflexão aprofundada que o intelectual tradicionalmente promove. Nesse ambiente, aqueles que tentam se fazer ouvir acabam por adotar a linguagem do espetáculo, mas ao custo de sua integridade e eficácia. Em vez de conduzir a sociedade a uma compreensão mais profunda dos desafios contemporâneos, esses intelectuais, ao tentar se adaptar, acabam por se transformar em meras caricaturas, figuras simplificadas que, ao buscar agradar ao público, perdem a profundidade que os caracteriza.

O desafio para o intelectual contemporâneo é resistir a essa tendência, mantendo sua função crítica e recusando-se a se conformar ao papel de personagem cômico. Embora a sociedade do espetáculo ofereça um palco tentador, é essencial que o intelectual permaneça fiel à sua missão de questionar e desafiar o status quo, mesmo que isso signifique se isolar do mainstream. A política contemporânea exige respostas rápidas, mas os desafios que enfrentamos – como mudanças climáticas, desigualdade social e crises econômicas – requerem soluções que vão além do espetáculo e do imediatismo.

Nesse cenário, o intelectual deve encontrar formas de exercer sua influência sem sacrificar sua profundidade, mesmo que isso signifique abdicar do palco que a sociedade do espetáculo oferece. O verdadeiro desafio é resgatar o papel do intelectual como uma voz de razão e moralidade em uma sociedade que o empurra para o papel de figura superficial. Cabe aos intelectuais que resistem ao espetáculo manterem-se firmes em sua missão, enquanto a classe política deve aprender a valorizar essa voz, reconhecendo que o futuro depende de soluções que transcendem o efêmero e o superficial.