DA SERIE ESTUDOS MARXISTAS: Anotações sobre a lei do desenvolvimento desigual e combinado

Adriano Espíndola Cavalheiro

A lei do desenvolvimento desigual e combinado, formulada por Trotsky, aprofundada por Nahuel Moreno e analisada por George Novack, é uma contribuição fundamental do trotskismo para compreender a dinâmica do capitalismo e das revoluções no século XX e base da teoria da revolução permanente, sobre a qual falarei em outra oportunidade. Essa lei explica como o capitalismo se desenvolve de forma desigual em diferentes países, combinando formas avançadas e atrasadas de produção e relações sociais. Essas realidades distintas se influenciam mutuamente, gerando contradições explosivas. Novack, em seu livro "O Desenvolvimento Desigual e Combinado na História", mostra como essa é uma característica inerente a todas as formações sociais baseadas na exploração e na opressão de classe.

Ao se expandir mundialmente, o capitalismo combina e articula diferentes estágios de desenvolvimento econômico e social. Novack cita o exemplo da Índia sob o domínio britânico, onde ferrovias e fábricas modernas conviveram com a preservação de castas e estruturas feudais no campo. Moreno aplicou essa análise à realidade latino-americana e dos países semicoloniais, mostrando como o imperialismo impõe um desenvolvimento distorcido e dependente, combinando enclaves de alta tecnologia com estruturas agrárias arcaicas e superexploração da força de trabalho.

Essa combinação contraditória de atraso e modernidade cria condições peculiares para a luta de classes. As classes dominantes locais, associadas e subordinadas ao imperialismo, são incapazes de resolver as tarefas históricas da revolução democrático-burguesa. Já o proletariado emerge como força social concentrada e com grande potencial revolucionário, ocupando uma posição estratégica na economia.

Novack destaca o papel do imperialismo em acentuar o desenvolvimento desigual em escala global, drenando recursos e riquezas das nações oprimidas. Isso reforça a atualidade da teoria da revolução permanente: nos países atrasados, a tarefa de superar o subdesenvolvimento e conquistar a verdadeira independência nacional se confunde com a necessidade da revolução socialista. Somente a classe trabalhadora, em aliança com o campesinato pobre e outros setores oprimidos, pode levar adiante esse processo, através da tomada do poder e da expropriação da burguesia.

Moreno enfatizou que a lei do desenvolvimento desigual e combinado opera em escala mundial, com a transferência de riquezas dos países pobres para os ricos. Novack também ressalta a dimensão internacionalista dessa perspectiva: as revoluções nos países coloniais e semicoloniais devem se combinar com a luta do proletariado nos centros imperialistas. Daí a importância estratégica da construção da Quarta Internacional.

Ao analisarmos a realidade brasileira dos dias atuais à luz da lei do desenvolvimento desigual e combinado, precisamos levar em conta as profundas transformações na divisão internacional do trabalho que vem sendo promovidas pelo imperialismo nas últimas décadas, e resultam em um processo de reprimarização das economias dependentes. Países como o Brasil passaram a se especializar na produção de commodities agrícolas e minerais, com baixo valor agregado e conteúdo tecnológico, enquanto as transnacionais dos países centrais controlam os setores de ponta. Essa nova configuração aprofunda a dependência e a vulnerabilidade externa, deixando-nos reféns das flutuações dos preços no mercado mundial e da demanda dos países ricos.

A desindustrialização e o avanço do agronegócio exportador geram desemprego, precarização do trabalho e maior exploração da classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, o imperialismo impõe contrarreformas neoliberais que atacam direitos e entregam nossas riquezas para garantir o pagamento da dívida externa e a remessa de lucros.

Diante desse quadro, fica claro que não há saída para os povos oprimidos nos marcos do capitalismo. As tentativas de "desenvolvimento nacional" ou "neodesenvolvimentismo" esbarram nos limites estruturais da dependência e acabam se curvando ao capital financeiro globalizado.

Ademais, ainda que seja certo que reprimarização das economias dependentes, impulsionada pelo imperialismo nas últimas décadas, tenha gerado uma aparente contradição com a lei do desenvolvimento desigual e combinado, essa contradição é, de fato, apenas aparente. A referida lei, como formulada por Trotsky, apontaria para o surgimento de um proletariado industrial concentrado nos países atrasados, como resultado da combinação de formas avançadas e atrasadas de produção e relações sociais, enquanto o processo de desindustrialização e o avanço do agronegócio exportador parecem desafiar essa premissa, na medida em que setores tradicionais do operariado fabril perdem peso relativo na estrutura de classes.

Contudo, uma análise mais aprofundada revela que a reprimarização não anula a validade da lei do desenvolvimento desigual e combinado, mas a complexifica e a atualiza. Embora a desindustrialização reduza o peso relativo do proletariado fabril clássico, ela é acompanhada pelo crescimento de novas formas de proletarização, especialmente nos setores de serviços e da agroindústria. Esses trabalhadores precarizados, muitas vezes submetidos a condições de superexploração, constituem uma parcela significativa e crescente da classe trabalhadora nos países dependentes.

O agronegócio, por exemplo, longe de representar um retorno a formas pré-capitalistas de produção, incorpora elementos de mecanização, biotecnologia e gestão moderna, combinando-os com relações de trabalho precárias e até análogas à escravidão. Essa combinação contraditória gera uma massa de proletários rurais, que vivenciam na pele as contradições do desenvolvimento desigual e combinado. Esses trabalhadores, apesar de sua dispersão geográfica e das dificuldades de organização, têm protagonizado importantes lutas e mobilizações, como as greves no setor de cana e as ocupações de terra pelo movimento sem-terra, essas últimas, ainda que com bastante refluxo.

Já nos setores de serviços, a precarização assume diversas formas, como a terceirização, a informalidade e o trabalho intermitente. Esses trabalhadores, muitas vezes jovens com escolarização, enfrentam a instabilidade, os baixos salários e a falta de direitos. Apesar da heterogeneidade e da fragmentação, esses setores têm demonstrado um grande potencial de mobilização, como evidenciado nas lutas dos entregadores por aplicativo, dos trabalhadores da limpeza e dos professores precários.

Além disso, a especialização primário-exportadora aprofunda a integração das economias dependentes ao mercado mundial e sua vulnerabilidade às crises globais. Os trabalhadores dos setores de commodities, mesmo quando não estão diretamente envolvidos na produção industrial, estão cada vez mais conectados às cadeias produtivas transnacionais e sujeitos às flutuações da demanda e dos preços internacionais. Essa condição reforça a dimensão internacionalista da luta de classes e a necessidade de uma estratégia revolucionária que articule as lutas nos países dependentes com as dos trabalhadores nos centros imperialistas.

Portanto, a reprimarização das economias dependentes não representa uma negação da lei do desenvolvimento desigual e combinado, mas uma nova manifestação de suas contradições. As formas de proletarização se transformam e se diversificam, abrangendo setores precarizados e superexplorados, que passam a ocupar um lugar central na estrutura de classes e na dinâmica da luta de classes.

O desafio enquanto os revolucionários é analisar corretamente a realidade e a estrutura de classes e correlação de forças entre elas. E a partir disso, encontrar as formas de organização e luta adequadas. Se faz preciso combinar a defesa dos direitos históricos do proletariado com a incorporação das demandas dos setores precarizados.

Isso porquê, a superação da condição de exploração sobre a que vivemos passa necessariamente pelo protagonismo da classe trabalhadora. Mesmo com suas mudanças de composição, o proletariado segue sendo a única classe consequentemente revolucionária, capaz de unificar os explorados em torno de um projeto socialista, o que requer um trabalho paciente de disputa da consciência das massas, para o qual se faz necessária construção de um partido revolucionário enraizado na classe, que dê consciência e direção política às lutas. O PSTU é parte fundamental deste processo.

Somente a classe trabalhadora, em aliança com os setores explorados, pode romper com a lógica da dependência e abrir um caminho de verdadeiro desenvolvimentos social e econômico. Isso passa pela ruptura com o imperialismo, pela estatização das grandes empresas, pela expropriação da burguesia e pela planificação da economia sob controle dos trabalhadores. Em outras palavras, a luta contra a dependência é indissociável da luta pelo socialismo.

Adriano Espíndola Cavalheiro