Sobre protestos e mobilizações sob governos democráticos

POR Rudá Ricci*

 

 

Uma das polêmicas que rodam as redes sociais no Brasil é sobre o ânimo para o cidadão protestar em períodos de governos democráticos e acanhamento em períodos de governos autoritários. A resposta parece óbvia, mas o “espírito guerreiro” de muitos internautas sugere que se trata de covardia ou pendor direitista de quem só pressiona governos democráticos.

Evidentemente que sob a batuta de governos autoritários, o risco de se opor é muito maior. Mas, há muitos estudos recentes que detalham um pouco mais este mecanismo que vai além da autodefesa.

Por exemplo, os cientistas políticos James Hollyer, Peter Rosendorff e James Vreeland sustentam que autocracias menos transparentes, que fornecem poucas informações sobre o desempenho econômico, enfrentam menos protestos.

Ora, por aí se percebe que não se trata de mero temor em relação à perseguição governamental, mas até mesmo desinformação que contribuem para “acalmar os ânimos” da cidadania.

Os autores indicam outros problemas ainda menos visíveis. Destacam que a herança autoritária que reverberam em instituições de controle são mais difíceis de transformar do que a implantação de eleições em novas democracias. E seriam justamente essas instituições que promovem auditorias e disseminação de informações sobre ações governamentais que mais induzem comportamentos das autoridades públicas entre eleições.

Outra autora que merece atenção por detalhar ainda mais o subterrâneo da passividade política é Alina Mungiu-Pippidi. Num artigo de 2015 (“Corrupção: a boa governação impulsiona a inovação”) sugeriu que a consolidação de um Estado de Direito sofre, muitas vezes, resistência do poder local (ou nível subnacional).

Elites autoritárias locais tradicionais conseguem, em sua leitura, deter melhor o poder institucional e bloquear as transformações através de canais informais. Aqui está a importância das eleições municipais deste ano no Brasil e que, infelizmente, a grande imprensa e mídia não tradicional desconsideram por concentrar suas análises na dinâmica dos grandes centros urbanos.

Já o economista Sergei Guriev avaliou o impacto político das tecnologias 3G entre 2007 e 2018. Ao facilitar o acesso às informações, aumentou o índice geral de desaprovação de governos em 6 pontos percentuais em todos os países analisados por ele. Contudo, o acesso à banda larga móvel não gerou abalo na popularidade de governos que censuraram a mídia local.

Um recorte interessante que aparece em muitos estudos recentes é que os segmentos populacionais com maior nível de instrução tendem a ser mais críticos a governantes em democracias frágeis ou híbridas e mais favoráveis aos líderes de democracias consolidadas.

Obviamente que governos autoritários encontram formas de driblar o ímpeto oposicionista da sociedade. Uma das formas observadas por cientistas políticos é a disseminação de uma torrente de informações confusas ou de entretenimento que distraem a sociedade civil.

No caso brasileiro, um estudo realizado por Gustavo Andrey de Almeida Lopes Fernandes, Ivan Filipe Fernandes e Marco Antonio Carvalho Teixeira sobre as primeiras duas décadas deste século sobre transparência dos tribunais de contas revelou que o Acre e o Amapá, não disponibilizavam documentos digitalizados e tudo precisava ser consultado pessoalmente na sede da instituição. O Tribunal de Contas do Espírito Santo também não disponibiliza seus relatórios ou pareceres on-line, sendo necessária a apresentação de solicitação formal por e-mail.

A conclusão dos autores é que em nosso país “as instituições subnacionais de supervisão seguiram quase o mesmo desenho institucional do período anterior à democratização em 1988, apesar do enorme progresso nos últimos trinta anos em direção a eleições livres e competitivas” (ver o artigo “Transparência dos governos subnacionais: o impacto da desigualdade na transparência”).

Em suma: criticar mobilizações e protestos que aumentam sob o teto de governos mais democráticos é jogar água no moinho da lógica autoritária. Sempre. Quem faz isso raramente age na base da sociedade e não consegue entender as motivações sociais. Está mais para “militante digital”. A consolidação democrática exige mais que isso.

 

*Ruda Ricci é Sociólogo, trabalha com educação e Gestão Participativa. Preside o Instituto Cultiva em BH.