Aborto: em prol de uma educação sexual e afetiva de homens e mulheres
A sociedade brasileira foi sacudida nos últimos dias por um projeto de Lei apressado, dito de urgência, que levou inclusive instituições religiosas de renome a se envolver, mesmo apressadas, pondo sua credibilidade religiosa em cheque. Apressadamente a sociedade foi chamada para uma arapuca (armadilha para pegar os inocentes), astúcia do demônio, para dizer sim ou não, sem refletir, sem pensar, conduzida por interesses políticos claros.
O que está por trás dessa pressa em criminalizar as meninas-criança? Entre 2010 e 2019 tivemos no Brasil 252.786 meninas que foram forçadas a dar a luz por terem sido abusadas por seus pais, padrastos, tios, sacerdotes, pastores, padres, missionários, primos, avós, irmãos, vizinhos. Que proposta está sobre a mesa para discutir essa realidade?
O cenário presente na vida brasileira se assemelhava ao mundo medieval dos tempos das Cruzadas contra os mouros. Naquela época incutiram até a ideia que se a Europa conseguisse formar um exército de crianças e enviasse para a guerra contra o inimigo a vitória estaria garantida. E lá se foram embarcadas 60.000 crianças inocentes para a guerra no Oriente. Lideranças religiosas pregavam todos os dias esse chamado no alto dos púlpitos das catedrais europeias. Pobres criancinhas! Hoje poderíamos dizer: pobres mulheres criminalizadas.
Esse é o caminho mais fácil para se resolver qualquer coisa: fazer uma Lei e criar mecanismos punitivos retirando de si a responsabilidade política cidadã. A política atual tornou-se caminho mais rápido para a hipocrisia religiosa e atitude fascista de domínio da sociedade. As redes sociais tornaram-se campo de guerra, sem lei, sem critério, sem escrúpulos. A sociedade está ficando cada dia mais refém desse caminho antidemocrático. Pensar dá trabalho, afinal. Se não nos apressarmos em desenvolver o pensamento crítico na sociedade corremos o risco de retrocessos avassaladores.
Que o aborto é um crime, todos ou quase todos concordamos. Não é? Nossa cultura religiosa não comporta outra posição. Contudo, essa aversão ao homicídio abortivo ganha em muito da mesma situação de homicídios na sociedade. Como essa mesma sociedade apressada se comporta diante do feminicídio, que cresce a cada dia, assassinando mulheres pelo simples fato de serem mulheres? Os homens do machismo imperante se acham donos dos corpos das mulheres e não suportam um fim de um relacionamento. Se não é minha, não será de mais ninguém, é o pensamento dogmático impregnado nas cabeças dos homicidas (feminicídio).
Contrastando com essa via apressada, por que na situação em questão no projeto de lei não se pergunta quem é a maior vítima dessa situação? O estuprador ou a mulher estuprada? O melhor caminho para se resolver esse grave problema da sociedade brasileira seria a criação de mais leis para punir as mulheres, as vítimas? Indefesas, elas também acabaram dando seu voto de apoio na câmara dos machos. As mulheres também são responsáveis pelo favorecimento machista nas atitudes sociais e políticas.
Sem uma visão de totalidade do problema em questão, vamos trilhar sempre o caminho do menor esforço para fingir que se faz alguma coisa. É claro que aqueles machos não estão querendo regaçar as mangas das camisas para trabalhar na sociedade, nas escolas, nas igrejas, nas famílias, promovendo uma educação sexual e afetiva para homens e mulheres de maneira sadia, responsável e moral.
E mais ainda, esses machos também não querem perder tempo com a busca de estudos científicos e pesquisas de informação seguras para promover uma educação sexual sadia. Para esses machos que se tornaram “baluartes da fé cristã” basta o que está escrito na Bíblia, especialmente naqueles versículos veterotestamentários que se referem à homossexualidade. Reduzem esses mesmos apressados a formação sexual e afetiva à questão da homossexualidade. Simplificam tudo em nome de interesses políticos bem claros.
Então, por que determinar a prisão e a condenação das vítimas antes de lhes dar uma boa formação sexual e afetiva? Muitos são até pastores. Por que não pensar antes na formação catequética dada nas igrejas? O que estamos ensinando em nossas Igrejas? Um Estado tão religioso não deveria pensar primeiro na punição, mas na misericórdia de Deus. Pois “se ninguém te condenou, eu também não te condeno”.
Educação sólida, sexual e afetiva, e acima de tudo, a Misericórdia do mesmo Deus professado e confessado em nossas Igrejas. O judaísmo antigo encheu-se de leis, inclusive nelas não cabia nem o Messias prometido, e por isso mesmo quando ele veio o crucificaram na cruz do Calvário.
Quem come apressado, come cru! Dizia minha avó. Só que esse cru que nos fizeram quase ingerir está podre, fede, azedo, cheio de bactérias. Esse cru apressado mata ou prende.