CHORO DE PERDEDOR.


 

Esse pessoal que está indo às ruas hoje pedindo uma revolução armada para mudar um governo com o qual não concordam não sabe, nem de longe, o que está fazendo. Na época da revolução de 1964, uma intervenção militar até que poderia ser justificada. O país, depois da renúncia de Jânio Quadros e a ascensão de Jango à presidência tinha virado uma bagunça sem tamanho. Não havia instituições seguras e pilares sociais e políticos nos quais a estrutura do país pudesse se amparar. Essas instituições já vinham sendo minadas desde os tempos de Getúlio Vargas, quando um modelo de Estado opressivo foi imposto à força das armas e depois sustentado por conchavos políticos de oligarquias que se encastelaram no poder. O regime militar poderia ter mudado o sistema político e dado ao país uma estrutura política estável. Tinha poder poder e condições para isso, mas não o fez. Até porque a maioria dos generais e coronéis que o sustentavam eram oriundos dessas mesmas oligarquias, cujo maior medo sempre foi uma vitória das esquerdas, mas não deixam de flertar com elas quando se torna necessário.
Não há nenhum mal no fato de Lula e o PT terem vencido as eleições, nem se deve colocar qualquer senão no resultado que elas apresentaram. A tese de uma suposta manipulação do resultado parece choro de torcedor de time derrotado. Nesses casos o culpado é sempre o juiz, que marcou um pênalti errado ou deixou de apitar impedimento no gol do adversário. Bobagem. O jogo democrático comporta vitórias e derrotas. Lula ganhou porque seu partido soube explorar melhor o capital eleitoral que o PT construiu entre as classes menos favorecidas do país. Ninguém pode negar que os programas sociais que vem sendo desenvolvidos desde que o PT assumiu o poder melhoraram a vida dessas pessoas. Se essa melhoria é autossustentável é outra coisa. Se vai, efetivamente, contribuir para uma definitiva erradicação da pobreza, também é algo que ainda precisa ser provado. Pessoalmente eu tenho algumas dúvidas a esse respeito, pois ainda acho que a ascensão social e econômica é uma conquista pessoal, que se alcança com atitudes, estudando, trabalhando, suando a camisa e  não com o auxílio de cotas raciais, bolsas-família e outras benesses do tipo, propostas pelas esquerdas.

Na verdade, há uma coisa que me preocupa mais em tudo isso. É o rumo que a política nacional vem tomando desde que o PT assumiu o poder. Essa política criou uma radicalização de extremos que não deixa ambos os lados ver nada que não seja o seu próprio umbigo. Os líderes de ambas as fações, quando assumem o poder, comportam-se exatamente igual aos políticos que eles tanto criticam quando estão na oposição. Tanto uns quantos outros assumem o lugar dos antigos coronéis e agem tal e qual os próprios, criando currais eleitorais, um por conta das benesses concedidas pelo governo, outros por meio de promessas ideológicas contaminadas de radicalismo e autoritarismo disseminador de intolerância e desagregação institucional. Esse é o grande perigo que está embutido nesse sistema: um povo encurralado não precisa de educação, nem de liberdade, nem de autodeterminação. Só de comida e informação falsa para alimentar a sua ignorância, como fazem todas as ditaduras, seja de lado for.

Tudo isso lembra o Jorge Amado, que por sinal, andou levando umas ferradas durante o Estado Novo por causa da sua simpatia para com os comunistas. Um de seus mais interessantes personagens, o Coronel Ramiro Bastos, de Gabriela, Cravo e Canela, ao perder o comando político de Ilhéus para o jovem adversário Mundinho Falcão, disse algo mais ou menos assim para ele: “ no fundo, você só quer é o poder que eu tenho; você quer é ser como eu.” Essa mesma situação foi magistralmente trabalhada por George Orwel em seu clássico conto “ A Revolução dos Bichos”. Os porcos, depois de liderarem a revolução que apeou do poder os homens, em pouco tempo começaram a agir como humanos. E logo também estavam se parecendo, até fisicamente, com eles. Usando gravatas, andando eretos e fumando charutos Havana. Qualquer semelhança com o que acontece com a nossa política não terá sido mera coincidência. 

A grande verdade é que revoluções sangrentas são absolutamente inúteis e só servem para trocar de inquilinos nos palácios. Mudanças efetivas e duradouras só acontecem quando a própria consciência do ser se modifica. E isso só com educação e participação consciente nos processos que a produzem. Nenhuma grande revolução jamais mudou alguma coisa. Nem a gabada Revolução Francesa, tida como marco histórico de uma era, trouxe qualquer resultado positivo para o povo francês, pois como mostra Victor Hugo em seu emblemático romance “Os Miseráveis”, cinquenta anos depois, os franceses estavam vivendo pior do que antes dela. Mas os mártires que ela produziu e o sangue que ela derramou serviram para criar ficções românticas e quimeras irrealizáveis, que até hoje são gabadas em prosa e verso pelos idealistas que colacam suas ideologias acima do pragmatismo que deve nortear todas as realizações políticas.

Política é arte da estratégia, como dizia Sun Tzu (A Arte da Guerra). Quem ganha que trate de justificar porque ganhou. Quem perde que se prepare para o próximo embate. Quem fica chorando pelo leite derramado se esquece de tudo o mais e um dia vai descobrir que a vaca também morreu.