Menos Pobreza, Mais Desenvolvimento

Países asiáticos tiraram milhões de pessoas da pobreza extrema. O Brasil pode aumentar sua classe média e turbinar o crescimento.

 

Estamos tão acostumados a só ver desgraças no noticiário que deixamos de olhar as boas notícias e fatos realmente relevantes. Nas últimas semanas, uma série de reportagens do Estadão sobre países asiáticos que experimentaram enorme desenvolvimento reduzindo a pobreza e da Folha de São Paulo sobre o crescimento da renda dos trabalhadores brasileiros passaram quase desapercebidas. No entanto, podem ser super relevantes para nossas vidas, porque muito do que aconteceu lá pode ocorrer aqui e podemos estar com a oportunidade de crescer além deles.

 

A série de reportagens do Estadão é de autoria de José Fucs e mostra como Indonésia, Bangladesh e Vietnã retiraram mais de 1 bilhão de pessoas da miséria em 20 anos e o que isso pode ensinar ao Brasil. Esses países de que pouco ouvimos falar tem em comum conosco grandes populações e imensa maioria de pobres. As fórmulas para crescimento têm em comum programas para reduzir a miséria, ações de abertura da economia para atrair investimento externo e para aumento das exportações.

 

No quadro abaixo é possível entender um pouco mais sobre estes países tão distantes. São todos países mais pobres que o Brasil e, como nós, têm imensos desafios para o desenvolvimento. Observem, no entanto, que partindo de bases muito piores, conseguiram grandes progressos para suas populações.

 

 

Nenhum país é igual ao outro, e as histórias são diferentes. Em Bangladesh, o motor da economia foi a indústria de vestuário para exportação, que transformou o país no segundo maior exportador, atrás apenas da China. No Vietnã, foram adotadas reformas liberalizantes pelo Partido Comunista, chamadas de Doi Moi, e em essência, atraíram empresas internacionais como Nike, Adidas, Apple, Foxconn, Intel, LG e Samsung para produzirem no país, além de apoiarem grupos nacionais como a VinFast, fabricante de veículos com valor de mercado maior que Ford e GM. Na Indonésia, o vetor do crescimento é o aumento do consumo interno, pelos empregos gerados na exportação de níquel, cobalto, óleo de palma, carvão e bauxita, principais atividades econômicas.

 

É importante frisar que nenhum deles se tornou ainda país desenvolvido, nem acabou com a desigualdade. Em todos eles, a redução da pobreza não foi por revoluções sangrentas, nem significou fim dos empresários ou da propriedade privada ou dos ricos, que, ao contrário, há mais destes e enriqueceram mais. Ou seja, foram soluções ganha-ganha e não uma classe contra outra.

 

Muitos devem estar sem entender o que isso tem a ver conosco brasileiros. Pode ter muito, e para isso é preciso entender o mais importante fato dos últimos anos, que consta na reportagem de Fernando Canzian, da Folha de São Paulo que mostra que a renda do trabalho dos brasileiros teve a maior alta desde o Plano Real. Não se trata do feito de um só governo, e sim da combinação de ações de dois absolutamente antagônicos. Os principais vetores deste aumento foram os aumentos nas transferências de renda aos mais pobres, com o pagamento de auxílios emergenciais pelo governo anterior no último semestre de 2022 e pela retomada do Bolsa Família pelo atual. O anterior já havia obtido um crescimento de 6,6% da massa salarial em 2022 e, junto com os aumentos do salário mínimo pelo atual governo, o aumento da massa foi de 11,7%, só inferior ao de 12,9% do ano seguinte ao Plano Real.

 

Esses aumentos nos ganhos de assalariados levaram ao crescimento do consumo e da economia por dois anos seguidos (deve-se desconsiderar 2021, porque foi apenas recuperação parcial contra um 2020 de forte queda, por causa da Covid). Tirar pessoas da pobreza extrema e aumentar os ganhos dos de menor salário é, além de bom para milhões de pessoas, ótimo também para os empresários, que vendem mais. Tornar essas politicas de Estado, que ficam qualquer que seja o governo é um passo no caminho que os asiáticos seguiram e que turbinam o crescimento da economia.

 

Mas o Brasil pode ir muito além disso e o caminho é a Reforma Tributária. Não só a que foi aprovada no ano passado, que é boa, vai simplificar a arrecadação e beneficiar as empresas. A que realmente importa e pode levar-nos a um outro patamar de crescimento é a reforma da tributação sobre renda das pessoas, através do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e do Simples Nacional.

 

Um dos caminhos necessários da Reforma Tributária que precisamos é o que quase todos gostam, que é reduzir os níveis de tributação dos salários baixos, através do aumento do valor de isenção (o governo já aumentou de R$ 2.112 em 2022 para R$ 2.824 em 2024 e promete atingir R$ 5.000 até 2026). Aumentar a isenção é simplesmente maior salário líquido para os que ganham menos. Tem custo com perda de arrecadação, porém, traz grandes ganhos de consumo, mais vendas para as empresas e volta do dinheiro para o governo através dos impostos sobre consumo, como ICMS, ISS e IPI.

 

Falta um grande passo, que é atualizar as tabelas de retenção das demais alíquotas, até um valor que o governo determinar para sendo a classe média, digamos, até R$ 10.000. Se fizer isso, o mesmo aumento de qualidade de vida que os mais pobres estão vivendo chegará à classe média, com a vantagem que esta consome uma variedade muito maior de itens, trazendo crescimento para toda a economia.

 

O outro caminho indispensável, mais complicado, é aumentar a tributação sobre os mais ricos, colocando aí pessoas da classe A, as que ganham, digamos acima de R$ 25.000 por mês. Isso envolve tributar os ganhos sobre dividendos (remuneração de acionistas de empresas), aumentar alíquotas do IRPF sobre salários mais altos e restringir o Simples Nacional a empresas com empregados, para reduzir o desemprego e a “pejotização” (pessoas que abrem empresa de uma pessoa só para pagarem menos sobre seus ganhos do que se fossem empregados).

 

Os maiores inimigos disso são os que ganham mais, obviamente. O trabalho difícil é fazer essas pessoas entenderem que este sacrifício de pagarem mais impostos não vai afetar suas vidas e no longo prazo, as fará muito mais ricas. Ninguém que ganha acima de R$ 25.000 jamais admitirá, mas o fato é que no Brasil, alguém que chegue nesse patamar terá uma vida muito boa, pode morar bem, pagar as melhores escolas para seus filhos, ter plano de saúde privado e ter lazer de alta qualidade.

 

A maior parte dos assalariados que ganham muito, são servidores públicos. Aumentar a tributação sobre eles tem duplo impacto positivo, reduz o gasto do governo que os paga e aumentar a receita deles com IRPF retido na fonte. É um caminho que deixa os governos mais ricos, beneficiando os pobres que receberão mais serviços e em prazo mais longo, os próprios servidores, que terão mais segurança de continuar tendo salários pagos, sem suspensão de reajuste ou até de salários, como aconteceu no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul há poucos anos, sem terceirização de funções ou perda da estabilidade que se propõem na Reforma Administrativa no Congresso.

 

Os outros que ganham mais que isso são empresários que recebem dividendos ou se beneficiam do Simples Nacional, uma maior tributação sobre seus rendimentos pessoais só vale a pena se houver ou maior consumo, ou menor tributação sobre suas empresas. E são exatamente esses os benefícios que podem esperar das políticas tributárias que se propõe para os mais pobres e para os assalariados até a classe média. Vale lembrar que quando esses recolhem menos IRPF, para seus empregados, o empresário ou governo que os paga também diminui sua folha. Perdas no lado do seu imposto pessoal, ganhos no dos funcionários, resultado final positivo.

 

Chegaremos lá, conseguiremos esse entendimento? É muito pouco provável. A lógica do cada um brigar pelo seu lado e das elites preservarem seus privilégios sempre prevaleceu no Brasil, o mais provável é que continue  a miopia destes em enxergar os benefícios de ter mais gente consumindo e progredindo. Entretanto, se países asiáticos mais pobres que nós conseguiram superar dificuldades e evoluir tanto, sonhar que possamos progredir é uma forma de crer num futuro melhor, um primeiro passo para agir por mudanças fundamentais para nós e nossas famílias.

 

Textos de Referência

“Milagre” Asiático tira 1 Bilhão de pessoas da Miséria em 20 anos, o que isso pode ensinar ao Brasil – José Fucs - Estadão 24/01/24

Com crescimento “chinês”, Bangladesh reduz miséria em 80% e vira exemplo mundial inesperado - – José Fucs - Estadão 08/02/24

Com “economia de mercado orientada ao socialismo”, Vietnã cresce sem parar e supera pobreza extrema - – José Fucs - Estadão 16/02/24

Indonésia deixa pobreza extrema para trás após 30 anos de crescimento turbinado - – José Fucs - Estadão 23/02/24

Renda do trabalho dos brasileiros tem a maior alta desde o Plano Real – Fernando Canzian – Folha de São Paulo 09/03/24

 

Paulo Gussoni
Enviado por Paulo Gussoni em 15/03/2024
Reeditado em 19/03/2024
Código do texto: T8020611
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