Capital eleitoral e capital civilizacional
Outro dia escutei a expressão “capital eleitoral”, em meio às açodadas conversas que marcam o recrudescimento das atenções com as eleições que acontecem neste ano. A expressão foi utilizada com o sentido de capacidade de um candidato traduzir-se em votos na eleição, seja pela notoriedade ou força e pluralidade dos apoios.
O uso da expressão desencadeou-me uma cisma: o capital eleitoral não seria um inibidor de um outro capital, vamos chamá-lo de “capital civilizacional”? A capacidade de um nome angariar votos numa eleição merece reflexão. O político notório, já conhecido de várias outras eleições e mandatos, é o melhor? Não seria preferível dar voz e liderança a novos políticos? Não é sabido que a carreira política tende a viciar, desviando o foco de ideais sociais legítimos para reles disputas eleitorais? Não são muitos os pensadores que defendem que não seja possível a reeleição, justamente para que haja renovação? Não é sabido que a “notoriedade” amiúde é comprada com conluiadas manipulações midiáticas e apoios financeiros criminosos?
Ademais, a precária democracia representativa que vivemos hoje, responsável por muitos dos vícios dos políticos, privilegia os já ocupantes de cargos. Verbas, recursos, benefícios favorecem os que exercem mandatos. E as leis que mantêm esses privilégios são “eleitas” em escolhas muitas vezes secretas, nos parlamentos. Como é possível, numa democracia representativa, os supostos representantes do povo votarem secreto? Então deixou de ser representativa, passou a ser fisiológica, clientelista.
E o que seria o tal “capital civilizacional”? Em primeiro lugar, seria o fazer boa política sempre, e não só às vésperas de eleições. Esta última é a política eleitoreira, que perpetua os políticos que não têm ideia do que seja o espírito público. A política civilizatória atuaria continuamente, formando consciência histórica, social, ambiental, econômica... Uma verdadeira educação para a civilização, visando reduzir os conflitos resultantes das injustiças e da concentração da renda das riquezas produzidas. Talvez o capital civilizacional não aparecesse como resultado eleitoral nas próximas eleições; mas alimentaria uma consciência política mais duradoura e firme, mais refratária às manipulações e logros midiáticos destinados a eleger lobos para cuidar do rebanho de cordeiros.
Acreditar e abraçar o investimento no capital civilizacional é um desafio considerável. O ser humano não costuma ter paciência de aguardar resultados a longo prazo. Queremos plantar a árvore e colher logo seus frutos. Falta-nos paciência, humildade, e, sobretudo, solidariedade e verdadeiro espírito público. A regra geral entre os políticos atuais é a meta eleitoral, não a meta social, a meta civilizatória. Não plantamos para que toda a sociedade colha os frutos. Plantamos para nós mesmos, e nossos apaniguados, sejam os beneficiados.
Enquanto priorizarmos o capital eleitoral em detrimento do capital civilizacional, a sociedade que vivemos continuará vítima das distorções e conflitos que ela mesma gera: ignorância, desmandos, criminalidade, guerras, crises ambientais, sanitárias...