O autismo como resistência
O fenômeno autismo inclui tanto os autistas, seus pais, o contexto escolar, educativo, quanto os "psis", as associações, os psicotrópicos, os programas experimentais e até mesmo o Estado. A crítica invocada é a que consiste em ler no autismo os pontos de resistência ao saber dominante. Ao que resiste o autismo?
Na tecnologia política do corpo, há um nível situado entre o funcionamento biológico e os aparelhos institucionais do poder e, como consequência, isola as relações entre certas ciências, de um lado, e, do outro, o poder e o saber. É aí que Foucault, em 1976, qualifica a psiquiatria de ciência "duvidosa" (Dreyfus & Rabinow, 1984): "Tomando um saber como a psiquiatria, será que a questão não será muito mais fácil de resolver porque o perfil epistemológico da psiquiatria é fraco e também porque a prática psiquiátrica está ligada a toda uma série de instituições, de exigências econômicas imediatas, de urgências políticas, de regulações sociais"?
Como encarar o autismo como um discurso (afirmou-se até que ele era "fora do discurso")?
Quais são as causas do autismo? Evidentemente há tantos estudos, engenhosidades e refinamentos nas explorações experimentais!
A crítica das "estratégias" terapêuticas americanas e educativas inglesas que, por condicionamento, querem adaptar "pedaço por pedaço" as crianças ditas autistas: o olhar, as mãos, a cognição, a relação social, etc, o que afirma uma biopolítica sobre o corpo do autista, sua captura institucional e os desdobramentos que decorrem.
A construção do diagnóstico do autismo é constituído por tensões teóricas e políticas. Seu status nosológico mais do que ser objeto de disputas teóricas, em torno de sua definição como uma condição orgânica ou psicológica, é palco de disputas políticas quanto à sua definição como uma “deficiência” ou uma “diferença”. Como se os médicos neurologistas e psiquiatras, estivessem falando do cérebro como uma entidade autônoma e com vida própria.
O binômio poder-saber gera consentimento, naturalizando práticas e ideias construídas historicamente, tornandoas parte integrante das subjetividades. Este binômio ‘naturaliza” posições políticas e morais frente aos mais diversos fenômenos, atribuindo a decisões parciais, institucionalmente enviesadas, o estatuto de verdade. Tais classificações acima comentadas dirigem-se ao anormal, delimitando seus espaços e apontando seus destinos, mas, também, sobre a “normalidade” exercem agudos efeitos: quanto mais estreitas as normas e a média normal, maior será a emergência de anormais e mais intensas as vigilâncias, as intervenções terapêuticas e as operações disciplinares sobre os sujeitos. Como pontua Foucault (2002), em sua exacerbação, o discurso do poder faz rir, dada sua fraqueza epistemológica e grosseira imparcialidade e sua cômica arrogância.
DREYFUS, H. & RABINOW, P. (1984). Michel Foucault - Un parcours philosophique. Paris: Gallimard, folio/essais nº204.
FOUCAULT, M. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
SOLER, C. (1990). Hors-discours: Autisme et paranoia. In: Feullets psychanalytiques du Courtil, 2,9-24.