Pão bolorento

A política, como ela é. Especificamente no Brasil, nação pacífica, cordata e ordeira o meio político se tornou reduto inesgotável de engravatados impregnados por hipocrisia institucionalizada. Infelizmente, poucos exemplos de probidade, ética, retidão de caráter, valores morais e por aí afora se pode esperar por parte dos detentores de cargos eletivos. Nessa seara de adjetivos onde a palavra cultuada haveria de ser “honestidade”, nossos distintos representantes se esforçam continuamente para manter distância daquele sentimento que, por obrigação, deveria ser equipamento de porte obrigatório a acompanhar suas excelências. O exemplo mais recente ilustra o tema com precisão cirúrgica. O presidente da Assembleia Legislativa paranaense, flagrado com a boca na botija em uma traquinagem e consequentemente acusado por corrupção, foi contemplado com um acordo de não persecução penal com o Ministério Público, permanecendo incólume à frente dos trabalhos naquela Casa de Leis. Ou seja, ainda que em tese tenha admitido a autoria do ato ilegal a ele imputado em conluio com outro par à época, acabou agraciado com multa pecuniária. Em contrapartida, o influente parlamentar foi persuadido a simplesmente não se envolver novamente em travessuras similares.

Seria cômica essa situação, não fosse trágica para nossa fragilizada democracia. Aliás, esse termo empregado para representar a liberdade de um povo parece cada vez mais distante do cidadão comum, do pagador de impostos, daqueles que fazem questão de exibir em seu semblante a tranquilidade de uma conduta permanentemente reta. Democracia em sua plenitude assemelha-se a uma singela, ingênua, distante utopia nessas paragens “tropicalientes”, uma vez que para alguns privilegiados, o que inexplicavelmente se sobressai são os benefícios da legislação. Que o diga os dois distintos representantes do povo envolvidos na abominável negociata nas terras das araucárias. Já para os menos favorecidos na vida sobram os rigores da lei, e obviamente, todas suas implicações legais.

Assim acontece com os “terroristas do oito de janeiro”. Presos indefinidamente e tratados ao arrepio da legislação penal, a democracia cambaleia para o lado contrário ao dos participantes de “atos antidemocráticos”. Espera-se que, até por analogia e isonomia, a lei seja aplicada a todos os cidadãos indistintamente, como recomenda a Constituição Federal em seu artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Ocorre que as coisas não são o que parecem ou pelo menos, não se apresentam da forma como determina a Constituição de 1988. Como assegurou o atual chefe do executivo federal em sua sempre conveniente visão, a democracia nesse País é relativa. Perfeito! Exato! A democracia é relativa à relevância do cargo ocupado na sociedade e ainda pelo saldo bancário do investigado, no momento de contratar defensores a peso de ouro.

Há muito nossos representantes deixam a desejar. Ainda que, em suas aparições na mídia os políticos demonstrem interesse em atender às incontáveis demandas dos cidadãos, nota-se que as ensaiadas e repetitivas ladainhas visam unicamente a reeleição. Ambicionam a permanência vitalícia no cargo, porque os privilégios do poder são superlativos. Mas como identificar em um parlamentar sentimentos como decência, caráter e honestidade? É uma tarefa improvável, pois essa classe é movida a interesses próprios e se posicionam ao sabor de conveniências político-partidárias, tornando-se insensíveis às expectativas do eleitorado. O retrato de nossa maltratada democracia e suas injustiças recorrentes remete àquele conhecido ditado popular, contado pelos imigrantes italianos: “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”.