JUSTIÇA E DIREITO: UM CASAL COMPLICADO

 

“Deus criou a Justiça; Os homens inventaram o Direito. Os dois deveriam se casar E se tornar um par perfeito. A Justiça era uma mulher piedosa, Que pensava com o coração, Mas o Direito era um homem austero, Que somente escutava a Razão. A Justiça buscava ver quase tudo, O Direito só via o que estava perto. Ela queria fazer pessoas felizes, Ele queria somente estar certo. Como todo filho do homem, O Direito foi um dia “educado”, E passou a servir a quem manda, Deixando a Justiça de lado. A desprezada esposa Justiça, Do Direito hoje está divorciada. Aborrecida, de nome trocou: Filosofia ela agora é chamada. O Direito também mudou de nome; Lei é o nome que ele adotou. Ele não tem coração nem entranhas, Pois só faz o que quem manda ditou. Hoje o Direito é um produto, Que se compra nos tribunais. A Justiça sobrevive escondida, No coração de quem tem ideais. O Direito tem um tempo de vida; A Justiça tem o dom da imortalidade. O Direito morre com quem o ditou, A Justiça vive por toda a eternidade.”

A questão do divórcio entre Justiça e Direito não é de hoje. Rui Barbosa já reclamava desse descompasso na sua famosa Oração aos Moços, feita aos formandos da Faculdade de Direito de São Paulo, em 1920. “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”, disse ele.

É verdade. O Direito foi criado pelos homens para servir à Justiça. Deveria ser uma espécie de modelito ideal para vestir o corpo dela com beleza e perfeição. Porque só o justo é belo. Mas aconteceu exatamente o contrário. Ao invés de criar modelos de acordo com as medidas da Justiça, os legisladores deformaram o corpo dela para que coubesse em modelos que só servem aos seus próprios interesses. Por isso, aquela bela deusa que aparece na frente dos tribunais, com olhos vendados e uma balança nas mãos, tornou-se uma mulher gorda, feia e deformada, que só inspira constrangimento e desânimo no coração daqueles que gostariam de vê-la com alegria e confiança.  

Isso ocorre porque Justiça é um conceito abstrato e Direito é uma fórmula concreta. E essa fórmula só é perfeita quando nela se coloca iguais doses de sensibilidade e razão. Mas como conseguir esse resultado em uma civilização guiada pela bússola da ambição? Rui Barbosa tinha razão em seu desconsolado queixume. Ele o fez com a esperança de que aqueles moços que se formavam em 1920 pudessem corrigir esse rumo. Ficou na esperança. Mas como ela é a última que morre, quem sabe ainda temos uma chance?