SOBRE ESQUERDA X DIREITA

Certa vez fui pesquisar, a fim de preparar uma aula para meus alunos de sociologia no ensino médio. Precisei selecionar, entre dezenas de definições, aquelas que guardavam mais semelhanças entre si; que eram assinadas por autores tidos como inquestionáveis; e que me pareceram mais razoáveis. Realizada a seleção, fiz uma síntese das cinco definições escolhidas, redigi minha aula e a transmiti aos alunos sem acréscimos de cunho pessoal. O problema é que não pude mais parar de pesquisar.

Nos últimos anos, já estudei mais de 180 definições de Esquerda e Direita (sim, porque não dá para estudar um dos termos sem fazer o mesmo com seu oposto. Numa comparação tosca, seria como tentar definir o bem sem opor-lhe o conceito de mal. Impossível!).

Historicamente, os conceitos de Esquerda e Direita surgem na Revolução Francesa, quando, durante as assembleias, nobreza e clero (1º e 2º estamentos) recusavam-se a sentar-se no mesmo ambiente ocupado por burguesia e povo (3º estamento*). O arranjo foi colocar o terceiro estamento numa ala à esquerda de onde estavam o 1º e o 2º. Daí, surgem os dois termos. Mas, Esquerda e Direita existem desde as primeiras organizações humanas. E advirto que, a partir daqui, as definições correm por minha própria conta.

Direita, na minha definição, é quem detém o poder econômico e militar; Esquerda é quem, embora ás vezes contrariado, submete-se a esses poderes e, vez ou outra, insurge-se contra os mesmos; Direita, é quem fabrica as armas, faz as guerras, produz as riquezas e misérias do mundo, com sua insensibilidade e usura desmedidas; Esquerda é quem pleiteia uma distribuição menos injusta das riquezas produzidas, no intuito de promover justiça social; Direita era o faraó, que mantinha escravo no Egito o povo hebreu; Esquerda era Moisés, a resgatar seu povo do cativeiro; Direita era Moisés, seu irmão sumo-sacerdote e todo o "estado maior" dos peregrinos do deserto; Esquerda eram os peregrinos anônimos, representados pelos jovens que, roídos de curiosidade, adentraram o núcleo proibido do tabernáculo (onde só o sumo-sacerdote podia entrar), tentando desvendar-lhe o mistério, e por isso foram punidos com a morte por Moisés e seu estado-maior; Direita eram as autoridades de Jerusalém, com a dureza da lei, e aliadas às autoridades romanas; Esquerda era Jesus Cristo, com suas lições de humildade, amor, perdão, solidariedade; Direita era a Casa Grande; Esquerda era Zumbi tentando resgatar a Senzala; Direita é a força, a intransigência, a exclusão dos diferentes, dos menos hábeis, do nacionalismo exacerbado, a traição em nome da pátria, a violência em nome de Deus; Esquerda é a busca por um mundo mais igualitário, onde todos - respeitadas as diferenças e limitações individuais - tenham seu espaço, onde o mais forte não humilhe e massacre o mais frágil.

Direita e Esquerda são invenções humanas e, portanto, possuem falhas, como qualquer coisa que venha dos homens. Mas, Direita e Esquerda não são sinônimos, respectivamente, de Capitalismo e Socialismo. Isso só foi verdadeiro no contexto da Guerra Fria, quando da bipolarização do mundo entre esses dois sistemas. E quem quiser, que conte de outro jeito!

(*) A revolução abolia os estamentos. Mas cultura não se extingue por decreto, nem de uma hora para outra. Por isso, em plenas assembleias revolucionárias, a cultura estamental ainda se fazia presente.

Nota: artigo escrito em 19/08/2016