ESQUERDA & DIREITA: DIFERENÇAS PONTUAIS E ABRANGENTES ENTRE OS DOIS LADOS DO ESPECTRO POLÍTICO
ESQUERDA & DIREITA: DIFERENÇAS PONTUAIS E ABRANGENTES ENTRE OS DOIS LADOS DO ESPECTRO POLÍTICO
Glauco Paludo Gazoni
RESUMO
A dicotomia Esquerda x Direita, embora seja menosprezada ou relativizada por muitos, continua válida e plenamente atual. Mais que isso, ela é – quando corretamente compreendida – extremamente relevante enquanto ferramenta de análise do panorama político circundante, possibilitando que nos situemos melhor nesse meio. Este artigo busca, portanto, enfatizar a existência de diferenças substanciais entre os dois lados do espectro político, demonstrando-as comparativamente para uma melhor compreensão dos leitores.
Palavras-chave: Ciência Política; Filosofia Política; Conservadorismo.
INTRODUÇÃO
A dicotomia Esquerda versus Direita, longe de ser obsoleta ou ultrapassada – como pretendem nos fazer crer alguns analistas levianos –, fundamenta-se em diferenças objetivas no modo de agir, pensar e encarar os problemas inerentes à vida social e à própria condição existencial dos seres humanos.
Há, no entanto, algumas dificuldades de classificação, resultantes da complexidade do tema. Enquanto, por exemplo, a Esquerda, num retrospecto histórico, tende mais à autoafirmação e a um posicionamento de maior contundência e expressividade ideológica, a Direita, por outro lado, sempre foi mais discreta e contida em suas manifestações práticas e teóricas.
Existe uma explicação para isso. A Direita, historicamente falando, surge e se consolida basicamente como uma reação às investidas violentas e às pretensões revolucionárias que sempre caracterizaram o modus operandi da Esquerda, essencialmente mais propensa a radicalismos e extremismos de todo tipo. É o que se depreende, aliás, da leitura de um dos clássicos do conservadorismo moderno, o
livro Reflexões sobre a Revolução em França, do filósofo escocês Edmund Burke.
Essa menção à Revolução (e, extensivamente, aos ímpetos revolucionários
como um todo) não é, como se verá na sequência, mero recurso discursivo, mas sim
uma importante ferramenta que nos auxilia a delinear com mais acurácia as
diferenças entre os dois lados do espectro político.
1. Delineamentos basilares: as distinções entre Esquerda e Direita histórica e ontologicamente compreendidas
Olavo de Carvalho (1947 – 2022) costumava definir as correntes políticas de Esquerda como aquelas que buscam legitimar suas pretensões ambiciosas em nome de um futuro hipotético. A Direita, por outro lado, estaria relacionada à postura dos que buscam legitimar promessas modestas com base na experiência passada.
A definição é acertada, já que, evidentemente, estamos falando da Direita propriamente dita, ou seja, em sua vertente conservadora, e deixando de lado, portanto, a vertente puramente liberal, a qual, numa análise crítica mais aprofundada, mostra-se muito mais próxima da Esquerda do que daquilo que se
convencionou, corretamente, chamar de Direita, especialmente a partir de uma
perspectiva histórica.
Olavo de Carvalho, percebendo a dificuldade da questão, chamava a atenção para um ponto de fulcral relevância: segundo ele, “os termos esquerda e direita só têm sentido objetivo quando usados na sua acepção originária de revolução e contrarrevolução, respectivamente” (CARVALHO, 2015, p. 190). Ou seja, o referencial concreto de qualquer tentativa intelectualmente honesta de diferenciação entre Esquerda e Direita fundamenta-se, necessariamente, num criterioso estudo da História.
Nesse sentido, Direita, a rigor, é o posicionamento político que se opõe e faz
frente às mudanças radicais que indivíduos e grupos de mentalidade revolucionária querem impor à sociedade, a despeito do bom-senso, da prudência e da tradição.
E o que seria, a propósito, a “mentalidade revolucionária” contra a qual a Direita se posiciona? Olavo de Carvalho, mais uma vez, nos explica: [...] é o estado de espírito, permanente ou transitório, no qual um indivíduo ou grupo se crê habilitado a remoldar o conjunto da sociedade – senão a natureza humana em geral – por meio da ação
política. (CARVALHO, 2015, p. 187).
De acordo com Olavo de Carvalho (2015), a “mente revolucionária” constitui um fenômeno histórico perfeitamente identificável e contínuo, que começa a perfilar-
se por volta do séc. XV, mas só se manifesta com toda a clareza no fim do séc. XVIII
(daí a referência acima à Revolução Francesa, momento em que a Direita, modernamente entendida como reação conservadora às violências e desvarios revolucionários, começa a consolidar-se e tomar forma).
2. Pormenorização objetiva das diferenças entre Esquerda e Direita
Após a contextualização histórica que nos fornece o embasamento para a correta diferenciação de posturas e modos de agir da Esquerda e da Direita, passamos agora a uma análise pormenorizada dessas diferenças.
Para isso, recorremos a um intelectual que, embora tenha escrito com invulgar proficiência e realizado extensas e aprofundadas pesquisas sobre temas
políticos, ainda é pouco conhecido do público brasileiro: o austríaco Erik von Kuehnelt-Leddihn (1908-1990), uma das mais respeitáveis vozes do conservadorismo ao longo de todo o séc. XX.
Em sua obra magna 'Leftism: From De Sade and Marx to Hitler and Marcuse' (ainda sem tradução para o português), Kuehnelt-Leddihn discorre com lucidez invejável e notável objetividade sobre as distinções essenciais entre Esquerda e Direita, apresentando-as de modo esquematizado e comparativo, divididas em vários campos analíticos, a fim de facilitar a compreensão das mesmas.
Tendo-se em vista o escopo limitado do presente artigo, optamos por selecionar as principais e mais relevantes diferenciações, isto é, aquelas em que o contraste entre Esquerda e Direita torna-se mais nítido e palpável. Ocasionalmente, acrescentamos ao panorama comparativo fornecido por Kuehnelt-Leddihn comentários de outros grandes estudiosos dessa questão, com destaque para o psiquiatra norte-americano Lyle Rossiter, que recentemente escreveu um verdadeiro tratado de psicologia política sobre as características da mentalidade esquerdista.
Seguem-se, portanto, as comparações:
2.1 Visão Antropológica do Homem
Para a Esquerda, o homem, enquanto indivíduo, está sempre sujeito à vontade da maioria (a volonté génerále da Revolução Francesa); ele é apenas um número no “processo democrático”, passível de ser adicionado ou subtraído; o indivíduo não é nada, o “Povo” (aqui entendido em termos revolucionários) é tudo; o indivíduo, em suma, não passa de um mero fragmento das “massas coletivas”. (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 426).
Para a Direita, todo ser humano possui um destino intransferível; é um ser único, criado à imagem de Deus, responsável perante Deus, e possuidor de uma alma imortal. Uma criatura dotada de coração e razão. Enfraquecida, certamente, pelo pecado original, mas não apenas um “produto do meio”. (KUEHNELT-
LEDDIHN, 1974, p. 430).
2.2 Visão sobre o Estado
Para a Esquerda, o cidadão é sempre colocado em situação de sujeição ao Estado; o bem comum da comunidade historicamente constituída é preterido em favor dos “interesses de Estado”. O Estado para a Esquerda deve representar forte oposição a todas as esferas privadas, frequentemente relacionadas a “privilégios”. (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 226).
Para a Direita, o Estado é visto como guardião da liberdade e da dignidade dos homens, um servo do bem comum e dos reais interesses do povo. O princípio do federalismo e as liberdades pessoais são as estrelas-guias de sua estrutura e função. (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 230).
2.3 Bem-Estar Social (Welfare)
Para a Esquerda, a segurança material do indivíduo está inteiramente nas mãos de um Estado provedor, que controla as necessidades materiais dos cidadãos por meio de agências centralizadas. O “Welfare State” assume, na prática, a função de ópio do povo e passa a ser uma ferramenta dos totalitarismos, que podem ser explícitos ou velados (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 228).
Nesse sentido, o Dr. Lyle Rossiter, ressaltando o caráter essencialmente infantilizado da mente esquerdista, afirma que a Esquerda defende um governo-babá poderoso, capaz de dar a todos uma vida boa e uma presença cuidadora. Indo mais além, Rossiter compara as garantias de segurança material que os esquerdistas esperam do Estado às que uma criança espera de seus pais, enfatizando assim a infantilidade característica da mentalidade de Esquerda, para a qual deve haver um “Estado Paternalista” que cuidará das pessoas suprindo todas as suas necessidades e satisfazendo todos os seus desejos. (ROSSITER, 2016, p. 408-412).
Para a Direita, por outro lado, a “seguridade social” é alcançada por meio da prosperidade geral e do respeito à independência dos indivíduos. Em situações de crise material, as fontes primárias de ajuda aos indivíduos devem ser a família, cooperativas, associações profissionais e instituições de caridade. O Estado deve intervir apenas onde todos os outros agentes falham (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 432).
2.4 Estrutura Política
No caso da Esquerda, todas as questões e todos os problemas envolvendo indivíduos ou grupos tendem a ser remetidos à autoridade de um governo central (e centralizador), que não costuma tolerar resoluções e desenvolvimentos autônomos.
Sua marca é a supressão progressiva dos esforços relativos a iniciativas privadas
e/ou locais (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 428).
No caso da Direita, destaca-se o Princípio da Subsidiariedade: no Estado e na sociedade, a unidade maior apenas torna-se ativa e efetiva quando as unidades menores mostram-se incapazes de lidar com os problemas. Onde a pessoa falha, a família age; onde a família falha, a sociedade como um todo age; onde a sociedade civil mostra-se impotente, agentes políticos entram progressivamente em cena
(KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 432).
2.5 Leis
Embora crítica do método positivista, na prática a Esquerda resulta na aplicação de um Positivismo Legal – a “lei” a serviço de uma ideologia triunfante. (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 428).
Já a Direita propões leis baseadas, sobretudo, no Direito Natural e na tradição (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 432).
2.6 Ideais
Na Esquerda, há a proeminência do que Kuehnelt-Leddihn denomina Utopianismo: uma tendência niilista que leva a recriar ou remodelar todas as formas de existência humana a partir de uma tábula rasa de viés revolucionário. Com o Planejamento total e a “Engenharia social” opera-se um desenraizamento metódico de tudo o que está ligado à tradição. Impera uma utópica esperança de “paraísos terrestres” a serem atingidos após a instauração de infernos revolucionários ou como simples resultados de um suposto “progresso” linear e infindo da humanidade (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 428).
Já a Direita coloca ênfase na ideia de um desenvolvimento à luz da tradição. Como observa Kuehnelt-Leddihn, sem tradição não há verdadeiro progresso, mas apenas infindáveis recomeços a partir do zero. Portanto, deve haver respeito pelas
conquistas do passado e pelas instituições surgidas organicamente. O progresso é
alcançado por meio de acréscimos, correções e adaptações (KUEHNELT-LEDDIHN,
1974, p. 432). Em relação especificamente à tradição, é interessante notar a
congruência de pensamento entre Kuehnelt-Leddihn e Edmund Burke, para quem a mesma podia ser entendida, basicamente, como uma espécie de “contrato entre as gerações”, ligando as sociedades do passado, do presente e do futuro. (BURKE, 2014).
2.7 Visão sobre a Igualdade
A obsessão igualitária da Esquerda leva ao nivelamento por baixo e a uma busca insensata por igualdade, via coerção ou escravidão estatal (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 426). Lembremo-nos, a propósito, das palavras de Friedrich Hayek: “há uma grande diferença entre tratar as pessoas igualmente e tentar torna-las iguais”. (HAYEK, 2020, p. 123).
Na Direita, a igualdade é entendida administrativamente (igualdade perante a
lei). Mas também espera-se uma atitude espontaneamente fraternal em relação aos
demais membros da sociedade (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 430).
2.8 Fé
As tentativas progressivas da Esquerda de remover a religião de todos os âmbitos da vida pública, resulta numa visão de Estado que não pode tolerar outros deuses além dele mesmo (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 427).
Na Direita, prevalece o entendimento da importância de uma crença de ordem
transcendental (que transcende e supera o plano meramente material), o que favorece ações de cooperação entre a Igreja e o Estado (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 431).
2.9 Economia
Na Esquerda, o intervencionismo estatal na economia é a regra. Produto desta intervenção é o surgimento de oligopólios e/ou monopólios. Na sua versão mais extrema, tem-se a busca incessante pela estatização dos meios de produção. Na versão mais “moderada” tem-se a expropriação por meio da tributação excessiva
(KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 429).
A Direita foca no livre-mercado, com livre competição e proteção às escolhas livres dos consumidores. O Estado deve intervir na Economia apenas quando isso for necessário para manter a competitividade de alguns setores específicos (KUEHNELT-LEDDIHN, 1974, p. 433).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso ensaio focou naquilo que diferencia Esquerda e Direita. Como visto, as diferenças são profundas e dizem respeito a visões de mundo marcadamente antagônicas, com reflexos e desdobramentos nos mais variados campos da atividade humana.
Agora, à guisa de conclusão, procuramos tomar um caminho diverso, buscando um ponto de convergência entre os dois lados do espectro político. Para isso, resgatamos a opinião de dois grandes pensadores contemporâneos - um de Direita e outro de Esquerda - a respeito do papel desempenhado pelo fracasso das políticas esquerdistas sobretudo no campo econômico. Como veremos, suas interpretações convergem em relação a esse assunto específico, já que ambos concordam que o fracasso é parte indissociável e essencial da mentalidade esquerdista.
De acordo, primeiramente, com o filósofo conservador Roger Scruton, “a tradição esquerdista consiste em julgar toda forma de sucesso humano a partir do fracasso dos outros.” (SCRUTON, 2018, p. 33). É a famosa interpretação da sociedade baseada no “Jogo de Soma Zero”, que, apesar de absurda, é muito
apreciada pelos esquerdistas: se alguém tem sucesso na vida, é porque outra pessoa foi prejudicada; se alguém ganhou dinheiro, é porque outra pessoa empobreceu. A vitimização, claro, é uma constante nessa linha de raciocínio.
Já o marxista Slavoj Žižek, por sua vez, afirma que: “Esquerdistas são propensos a remoer seus fracassos, porque isso lhes permite criar mitos sobre o que teria acontecido se fossem bem-sucedidos.” (apud BUCKINGHAM et al., 2013, p. 326). Ou seja, a Esquerda, embora costume falhar miseravelmente em suas
políticas econômicas, está propensa a fugir da realidade e da responsabilidade por
seus erros, sendo muito hábil, porém, na hora de justificá-los, atribuindo-os aos seus
inimigos políticos. Assim, quanto maior o desastre provocado, mais os esquerdistas
se esforçam para dizer que não fizeram nada de errado, pedindo novos votos de confiança num futuro idealizado que, obviamente, nunca chega.
REFERÊNCIAS
BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução na França. 1ª. ed. São Paulo: Edipro, 2014.
CARVALHO, Olavo de. O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser um Idiota. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.
SCRUTON, Roger. Como ser um Conservador. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.
ROSSITER, Lyle. A Mente Esquerdista – As causas psicológicas da loucura política. 1ª. ed. Campinas: CEDET, 2016.
KUEHNELT-LEDDIHN, Erik von. Leftism: from de Sade and Marx to Hitler and Marcuse. 1a. ed. New York: Arlington House, 1974.
HAYEK, Friedrich von. O Caminho da Servidão. 1ª. ed. São Paulo: LVM, 2020.
BUCKINGHAM, Will et al. O Livro da Filosofia. 1ª. ed. São Paulo: Globo, 2013.