O que fizemos conosco?
O que fizemos conosco?
Publicado no Diário do Poder, Brasília, de 3/7/2023
A humanidade desconhece os perigos que a ameaçam: o progressivo desemprego com aumento da pobreza e da desigualdade na distribuição da renda e a expansão dos malefícios do aquecimento da atmosfera. Agora surge a “Inteligência Artificial”, fantástica invenção da mente humana, que pode vir a provocar radical mudança nas formas de conviver, aumentando o poder de uns poucos e condenando a maioria depender da vontade dos poderosos.
Quem está preocupado com esses assuntos? A maioria perde-se em discutir ninharias importantes, mas pontuais, desconhecendo as principais raízes dos problemas das sociedades, cada vez mais interdependes.
Caso nada seja feito as consequências serão trágicas. Providencias radicais precisam ser tomadas e não terão o imprescindível apoio das populações, inviabilizando as iniciativas, se não houver amplo esclarecimento sobre o que está se passando.
Com apoio dos povos, iniciar-se-ia uma longa e difícil caminhada. Assembleísmos em nada contribuirão. É preciso ouvir e apoiar os estudiosos, que conhecem os problemas citados, honestos e competentes, que apresentariam alternativas para a superação dos problemas, submetendo-as as decisões democráticas das sociedades esclarecidas.
A Democracia não evitou a miséria nem a eleição de corruptos e incompetentes que conduziram as sociedades a formas de dominação política e econômica, e a marginalização social de bilhões de pessoas, excluídas dos benefícios das conquistas humanas.
A pessoa humana - ser racional, livre e social - sempre precisou apreender distinguir entre o bem e o mal, inspirada na lógica da Lei Natural nas pregações religiosas, no amoroso e estável convívio familiar, nos sistemas educacionais. Caso isso deixe de acontecer, como está acontecendo, o mal prevalecerá em muitas e variadas situações. Por exemplo, a ambição, em todos os níveis de convivência, pelo poder econômico e político, com todas as injustiças e exclusões decorrentes.
O extraordinário desenvolvimento da humanidade, em todos os segmentos do agir humano, sob a atual organização das sociedades livres e competitivas é inegável, mas os inaceitáveis desníveis na distribuição das riquezas geradas e a exclusão da maioria das pessoas dos mecanismos de decisão política estão se tornando insuportáveis.
O não atendimento das necessidades básicas das populações precisa ser superado com a mudança dos objetivos dos sistemas econômicos e políticos, que passariam atender a todos e não apenas alguns. Uma ação coletiva majoritária é o que se propõe, fruto da crença na solidariedade que deverá vir a ser referência para o convívio democrático nas sociedades e entre as nações.
Sociedades sem densidade moral estão destinadas ao fracasso.
As regras morais, que prevaleceram na história do Ocidente, são aqueles derivados dos princípios éticos pregados pelas históricas religiões cristãs. Tal pregação ofereceu as bases para a construção da Civilização Ocidental. Consciente ou inconscientemente as pessoas incorporaram suas crenças religiosas nas formas de pensar e agir. Uma difusa ideologia comum, fundada na fé cristã, sustentou e alimentou diversas práticas políticas das várias sociedades que iam se formando, permanecendo até hoje evidentes nos comportamentos humanos do Ocidente, aonde surgiram as raízes da Democracia. Fernand Braudel, historiador, seguido por outros pensadores, afirma que a Europa, (berço da Civilização Ocidental), “tem o sangue cristão”, possibilitando o extraordinário crescimento das ciências, das tecnologias, das artes, dos sistemas jurídicos e da democracia.
Com o afastamento dos povos das religiões, fruto não só de discordâncias teológicas, mas principalmente produto de um falso ardor libertário que, a pretexto de se livrar de formas de opressão das Igrejas no passado, (muitas vezes aliadas da classe dominante), enfraqueceu as fontes do ensinamento moral pelo abandono dos templos e do ensino religioso, levando os povos a comportamentos e crenças novas, distantes do ideal da solidariedade e da exigência de comportamentos justos das autoridades públicas, responsáveis pela promoção do Bem Comum.
Perdeu-se a crença na Transcendência e com esta perda também se perdeu as raízes morais dos comportamentos pessoais e coletivos, conduzindo à atual decadência da Civilização Ocidental, que até há poucos anos chegou a ser paradigma de organização e de comportamento coletivo para todos os países.
Num momento histórico complicado, num mundo interligado nos seus múltiplos relacionamentos, em que o eixo central das principais decisões políticas e econômicas se desloca para o Oriente, uma larga visão do futuro do planeta e dos seus povos, permite concluir que estas observações são validas globalmente.
Este artigo não é uma pregação religiosa e muito menos é ingênuo. É sim um alerta para as consequências da progressiva ausência da reflexão moral no processo de tomada de decisões políticas e econômicas.
Quaisquer iniciativas, econômicas ou políticas, que não considerarem, no início das suas proposições, a centralidade da moral e da solidariedade fracassarão. Apenas Leis, Declarações de Intenção e Acordos serão incapazes de unir as pessoas, os povos, em torno dos ideais da paz, da justiça, do desenvolvimento integral, da liberdade e da democracia, pontos de partida, inescapáveis e insubstituíveis, para tudo o que precisa ser feito no resgate da humanidade da trágica situação atual e do seu triste destino.
Eurico de Andrade Neves Borba, 82 anos, ex professor da PUC RIO, ex Presidente do IBGE, mora em Ana Rech, Caxias do Sul, eanbrs@uol.com.br