Política: a constante submissão à ordem colonialista
Até o século 16, viviam no Brasil, os povos originários. Aqueles que se confundem com a natureza, que não a sobrecarrega ou a maltrada por ganância, ignorância ou diversão. Aqueles que a preserva, que quando tira a folha de uma árvore pede licença e explica porque está tirando-a dali.
Com a invasão dos colonos portugueses no século 16 veio a relação de força, a violência, a fé imposta, a imposição de outro idioma, a roupa pesada, o terno, a política e seus vícios. A colonização trouxe um modus operandi no jeito de fazer política. E ao longo do tempo, nestes 5 séculos, tal cultura política se fortaleceu.
Mudou o sistema, um Congresso Nacional foi construído, eleições, os três poderes, limites geográficos consolidados e essa forma de fazer política ganhou hegemonia nas três esferas administrativas. Sempre com o mesmo propósito: proteger o poder econômico . Essa proteção permanece . Esse jeito secular de fazer política colonizadora tem raiz.
É interessante observar os caminhos construídos para a permanência dessa mentalidade tacanha. Althusser escreveu sobre os aparelhos ideológicos do estado (escola, igreja, congresso, mídia etc) e aparelho repressivo do estado (pode militar) para a manutenção dessa ordem. Eles funcionam para isso. Para manter-se no poder. Faz o oprimido odiar a si próprio e achar que o caminho da felicidade está no carrão e na mansão. Dificulta o oprimido dar-se conta que essa falsa felicidade logo se esvai. Não tem sustentação.
A felicidade existe e está nos encontros coletivos, na solidariedade, nas rodas de conversa, nas rodas de dança, no teatro, na música, na arte, na filosofia. Naquela filosofia que valoriza o pensamento, que busca respostas nas reflexões e nas problematizações, que põe movimento no mundo. A felicidade está na potência criativa. No trabalho digno, no tempo para o ócio, para o lazer. No lúdico.
Foucault trouxe outras contribuições para a categoria poder. Dizia que as relações de poder não estão postas, fixas. Elas mudam. Todos têm poder, exceto em situação de dominação. De modo que, se diante uma relação de poder um dos lados tem a possibilidade de matar, se matar, jogar o outro pela janela, isso é poder. Não é poder se essas condições não tiverem como serem concretizadas. Na escravidão era assim. Não era uma relação de poder que estava posta muitas das vezes. Era relação de dominação, afinal, os escravizados não tinham nenhuma dessas possibilidades ao seu alcance: matar, se matar, ou jogar o outro pela janela. Eram vigiados o tempo todo. Latour destaca que a potência de mudança sempre está no horizonte, e elas demandam negociação.
Partindo destas duas discussões sobre poder, tanto de Foucault, como de Latour, o poder instituído, e sua veia monárquica, foi se moldando ao longo do tempo. Depois da segunda guerra mundial, o nazismo, o fascismo, tamanha violência contra o povo, representadas em práticas de tortura passou a ser coisa feia. Passou a ser visto como ruim, o que era aceitável na escravidão e na gestão dos déspotas. Naquela época sabemos, era normalizado cabeças rolarem mediante quaisquer manifestações de resistência.
Pós segunda guerra mundial temos a declaração dos Direitos Humanos. Junto a isso, a discussão envederedou-se ao valor da democracia. Nesse contexto, os partidos de esquerda ganham força, porém, o poder e sua base colonizadora manteve seu modus operandi. Ainda que não seja cortar a cabeça literalmente, tal poder instituído mantém o cancelamento de todos os que se atrevem a manifestar-se contra. Ou seja, muda a forma, mas os objetivos e as estratégias para manutenção do poder prevalecem.
Como o próprio Foucault e Latour defendem, a coisa não está fixa. Permite escapes. E foi assim com a chegada do Partido dos Trabalhadores e do Bolsonaro no poder. Ambos são escapes. O PT cuja liderança tem Lula, um dos maiores articuladores do planeta à frente, ganhou 4 eleições, perdeu para Bolsonaro e voltou. No poder Lula segue a linha da coalisão, negocia como poucos, com muitos, e por isso, mantém-se ali. Constrói frente ampla, neutraliza adversários, trazendo possíveis ameaças para junto de si, ou cancelando-as. Com Bolsonaro não foi diferente sobre negociações, não teve jeito, teve de submeter-se ao Centrão. Mesmo mantendo as nefastas fontes de desinformação e tendo a grande maioria dos evangélicos em seu apoio, teve de submeter-se. Desprovido de inteligência emocional, esbravejante e mesmo tentando mudar o tom de voz nos debates e a máquina na mão, perdeu.
A questão central não é Lula ou Bolsonaro. É essa política moldada em princípios tão viciados que mesmo com líderes tão diferentes entre si, exigem deles concessões e ações parecidas no que tange acordos políticos que favorecem o indíviduo e não a coletividade. Sobre isso, é preciso resgatar Rousseau e a crise da representatividade tão bem colocada em Contrato Social. Há que se levar em conta que a forma de governar de Bolsonaro e Lula tem diferenças brutais, porém, o que deve nos interessar é a dignidade do povo brasileiro. Bolsonaro não tinha o menor interesse nisso. Por ele, permaneceriam vivos somente os militares. Se pudesse botava fogo em tudo e só ficariam seus soldados camuflados lambendo suas botas. Lula tem sensibilidade. Sabe que não vai conseguir muita coisa, mas tem interesse genuíno em acabar com a fome do brasileiro e promover pelo menos uma certa condição mínima de vida. A dificuldade para fazer a comida chegar no prato de todo brasileiro é gigantesca.
As políticas para ampliação dos privilégios da classe rentista, do capital financeiro, que já existia, foi reforçada com o govenro do Bolsonaro e a autonomia do Banco Central. Qual é a saída? Não podemos esperar de Lula a salvação. A saída é a pressão da classe popular. Temos receio de desgastar Lula e com isso fortalecer a extrema direita. Muitas vezes ainda nos vemos no mato sem cachorro. Mas uma coisa é certa, não é saudável ter essa inércia no meio do caminho. Mergulhados nesse receio não caminharemos. É preciso superar esse medo.
A Revogação da Reforma do Novo Ensino Médio, essa luta dos professores e estudantes da escola pública precisa ganhar força. Precisamos resistir por meio da coletividade. Promover encontros e ir pra rua. Além disso, cobrar do governo, mecanismos para a neutralização do fascismo. Temos que ter um olho no gato e outro no peixe, pois além da fome, do desemprego, temos que evitar a volta da extrema direita no poder. Não podemos dormir no ponto. Haja desafio! Lutemos!
Profª Isabel Rodrigues, Santo André, 25 de março de 2023.