Trabalhei vinte e cinco anos na alfândega brasileira e posso dizer com muita propriedade que a legislação brasileira de hoje é muito mais permissiva do que era na minha época. A importação de vários tipos de mercadorias era simplesmente proibida e um grande número de produtos sofriam pesada tributação para entrar no país. Era uma época em que se praticava a chamada política de proteção da indústria nacional, que tinha por objetivo incentivar a indústria brasileira a produzir a maior quantidade possível de mercadorias no país, para poupar divisas e desenvolver o seu parque industrial.

Essa política foi engendrada pelo Ministro Delfin Neto para o governo militar. Por um tempo deu certo e alavancou a economia do país, mas logo se revelou que ela hospedava um componente mais perigoso para a economia nacional do que o ingresso generalizado de produtos de origem estrangeira. Esse perigo era a sucateamento da indústria nacional, pois esta, protegida pelas barreiras alfandegárias, não tinha interesse de desenvolver tecnologia capaz de competir com a indústria estrangeira, que produzia produtos melhores, a custo bem menores. Pior que isso, a política aduaneira brasileira, com essas restrições, incentivava o contrabando, pois as empresas nacionais preferiam arriscar a importação, por meios escusos, de produtos de alta tecnologia, ao invés de tentar desenvolvê-los aqui.

Foi o governo de Fernando Collor que teve a coragem de romper com essa política. Ele abriu o mercado brasileiro para a importação de produtos de alta tecnologia, proporcionando uma nova “abertura dos portos” que trouxe muitos benefícios para a indústria nacional. Essa talvez, tenha sido a única virtude do seu governo.

Escrevi tudo isso para dizer que o que está acontecendo com as joias presenteadas pelo governo da Arábia Saudita à ex-primeira dama Michele Bolsonaro é um caso corriqueiro nas nossas alfândegas. A chamada “carteirada” e o famoso “sabe com quem está falando” é uma praxe com a qual todo servidor público está cansado de conviver. Supostas autoridades e pessoas públicas, no Brasil, sempre acharam que são especiais e merecem ser tratadas com deferências que ao mortal comum são negadas. Vi acontecer centenas de casos parecidos.

Talvez os simpatizantes do Bolsonaro que estão criticando o fiscal que apreendeu as joias da Michele não saibam que servidor público não pode receber presentes de caráter pessoal. Se for presentado em razão de sua representação diplomática, esses presentes devem ser declarados por ocasião de sua entrada no país e incorporados ao acervo do patrimônio nacional.

Não podem ser propriedade particular do servidor. Basta lembrar que Collor sofreu impeachement por causa de um Fiat Uno que ele recebeu de presente. Que Bolsonaro assuma o seu papel de ditador de república bananeira tudo bem: ele tem perfil para isso. Agora, que a Michele faça o papel de uma nova Imelda Marcos, isso já é demais. Palmas para o nosso colega da alfândega.