O fantástico mundo de Damares Alves

Ninguém ignora que Damares Alves, que foi ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos durante o governo de Jair Messias Bolsonaro e que atualmente é senadora, sempre chamou a atenção por suas declarações extremamente polêmicas, que muitas vezes despertaram estranhamento e até gracejos por parte de muitos internautas. Muitas pessoas que não gostaram das declarações da ex-ministra a tacham de preconceituosa e reacionária e, se analisarmos muitas de suas falas, além de termos de concordar que ela é reacionária, também devemos reconhecer que muito do que ela diz indica que ela vive em uma realidade paralela, algo que poderíamos chamar “o fantástico mundo de Damares Alves”, assim como existe o desenho chamado O fantástico mundo de Bobby. A diferença é que Bobby é apenas um desenho e Damares é uma pessoa real, que pode inclusive influenciar outras pessoas e temos de considerar que muitas coisas que ela afirma nunca foram comprovadas. E sabemos muito bem que afirmar certas coisas sem ter como provar que elas existem ou aconteceram, além de ser uma atitude irresponsável, é bastante imprópria, causando mal-estar e desentendimentos.

Uma das falas mais famosas de Damares -além da de que teria visto Jesus em uma goiabeira quando estaria tentando se matar após sofrer abusos sexuais - é a de que meninos vestem azul e meninas vestem rosa, que gerou uma reação imediata por parte de muitos que a chamaram de preconceituosa, a ponto da então ministra se defender dizendo que estava apenas combatendo a ideologia de gênero, uma outra falácia da turma de extrema direita que afirma que se está ensinando as pessoas a ser homossexuais, bissexuais ou transexuais desde a infância. Damares também afirmou que o Brasil viveria uma ditadura gay, criticou o feminismo em 2018, dizendo que o feminismo colocaria as mulheres em guerra contra os homens e, em 2013, em uma palestra, disse que haveria uma cartilha na Holanda, na qual especialistas ensinariam os pais como masturbar as suas crianças. Deveríamos perguntar a essa senhora onde estão as provas de que pais estariam sendo ensinados a manipular os genitais dos seus filhos. Outro absurdo que ela disse, também sem provas, é o de que muitos hotéis-fazenda seriam usados para os turistas fazerem sexo com animais. Então, quais são as provas que essa respeitável senhora tem de que tais coisas acontecem? Foi feita uma investigação para apurar isso? Ou seria tudo fruto das fantasias dela?

Isso não é tudo. Damares, no lançamento do programa Abrace o Marajó, que teria como objetivo o combate à exploração sexual e violência na Ilha do Marajó, disse que as meninas sofriam abuso porque não usavam calcinha. Vale acrescentar que, após ser eleita senadora(ainda não diplomada e, portanto, sem imunidade parlamentar), Damares, em um templo religioso cristão, falou que as crianças da Ilha do Marajó teriam os dentes arrancados para não morder durante o sexo oral e seriam submetidas a dieta pastosa para ficar com o intestino livre durante o sexo anal. Como era de se esperar, tais afirmações causaram polêmica e, em 11 de outubro, o Ministério Público Federal abriu inquérito exigindo que ela provasse suas acusações. Mais uma vez, perguntamo-nos de onde essa respeitável senhora tira tais informações porque com certeza ela não testemunhou isso acontecendo. Como já afirmamos, não podemos afirmar coisas tão sérias sem ter pelo menos alguma evidência porque essa atitude é inconsequente e pode causar problemas.

Ela ainda defende o ensino religioso e alega que a igreja evangélica perdeu espaço quando “deixou” a Teoria da Evolução entrar nas escolas, tendo uma típica atitude de negacionismo científico. É bastante impróprio ir contra o ensino das ciências na escola, desvalorizando o conhecimento fruto de vários estudos e pesquisas feitas por cientistas que tanto se esforçaram para produzir conhecimentos. As falas de Damares, como era de se esperar, causaram descontentamento entre as comunidades científicas.

Entre outras polêmicas envolvendo Damares, encontra-se a história de uma suposta filha adotiva da ex-ministra e atual senadora. Ela diz ter uma filha adotiva, uma jovem indígena Kamayurá, nascida em 1998. Entretanto, parentes da menina dizem que Damares a separou dos pais biológicos aos seis anos de idade sem a autorização deles. A própria Damares admite que nunca adotou formalmente a jovem. Uma outra polêmica com Damares é o fato dela ter tentado impedir que uma menina de dez anos, vítima de estupro, fizesse um aborto que já havia sido autorizado pela justiça. No começo de agosto de 2020, representantes do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos pressionaram os responsáveis pelo procedimento cirúrgico, fazendo reuniões com a Polícia Civil, Conselho Tutelar local e Secretaria de Assistência Social. Em 21 de setembro de 2020, o Ministério Público protocolou pedido de investigação protocolou pedido de investigação para apurar possíveis ações ilegais de Damares, que numa palestra em 2013, em uma igreja no Mato Grosso do Sul, apresentou-se como Mestre em Educação, Direito Constitucional e Direito de Família muito embora nenhuma instituição de ensino superior lhe tenha dado tais títulos. Quando confrontada sobre isso, ela alegou que seria mestra sob uma “perspectiva cristã. ”, pois tal título seria reservado a todos que se dedicam ao estudo bíblico.

Uma outra atitude de Damares que gerou discussões e controvérsias foi a sua defesa do projeto do Estatuto do Nascituro, que confere personalidade jurídica ao feto e criminaliza o aborto. Neste projeto, está prevista a concessão de pensão alimentícia de um salário mínimo ao nascituro fruto de estupro até os dezoito anos de idade. Naturalmente, tal projeto não foi visto com bons olhos e passou a ser conhecido como bolsa estupro.

Atualmente, Damares está novamente em evidência por causa da crise sanitária do povo yanomami. A crise já matou cerca de 570 crianças indígenas. Damares alegou que, durante o governo Bolsonaro, a política indigenista não era executada por seu Ministério, mas pelos ministérios da Educação, Saúde e Justiça, dizendo que o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos tinha apenas a função de receber denúncias de violações dos direitos dos indígenas e encaminhas às autoridades responsáveis. Entretanto, o jornal Brasil de Fato, em 23 de janeiro de 2023, noticiou que Damares pediu que Bolsonaro vetasse leitos de UTI e água potável para os povos indígenas durante a pandemia, o que tornou necessário que o Supremo Tribunal Federal interviesse a favor dos indígenas. O pedido de Damares está em uma nota técnica assinada por Esequiel Roque, então secretário adjunto da Igualdade Racial, secretaria subordinada ao ministério de Damares. O documento foi revelado pelo deputado federal Ivan Valente(PSOL- SP), conseguido por requerimento de informações. Damares dizia que os índios não teriam sido consultados pelo Congresso Nacional. O PT acionou o Ministério Público Federal contra Bolsonaro e Damares por suspeita de genocídio contra os yanomami.

A situação dos yanomami é realmente desesperadora. É bastante triste ver pessoas desnutridas e doentes e Damares, defendendo-se das acusações de omissão, nega que o governo de Bolsonaro tenha agido com descaso, acrescentando que o então presidente da República via a situação dos yanomami como uma violência inaceitável, providenciando o envio de cestas básicas no auge da pandemia. Porém, devemos ter em mente algo que Bolsonaro disse e que qualquer um que tenha acesso à Internet pode comprovar. Quando era ainda apenas um deputado, o ilustre político afirmou que a cavalaria brasileira era incompetente e que, por isso, não tinha conseguido exterminar seus índios, ao contrário da norte-americana, que, por ter exterminado os nativos, teria ficado livre de um problema. Tudo que podemos concluir é que Bolsonaro, com certeza, nunca esteve interessado no bem-estar dos povos indígenas.

Damares, tentando se defender das acusações de omissão, diz que a desnutrição entre crianças indígenas é um problema histórico e que tal problema foi agravado pelo isolamento social imposto pela pandemia. Ela ainda dá a entender que sempre questionou a política do isolamento imposta a algumas comunidades. É verdade que o problema dos indígenas não é novidade, porém isso não deve nunca servir de desculpa para justificar tamanha omissão.

É bastante triste que, além de termos tido um presidente como Bolsonaro, tenhamos tido uma pessoa como ela ocupando um ministério. Uma pessoa cheia de ideias absurdas, pródiga em dizer coisas inadequadas e que se provou incompetente e insensível diante da situação dos indígenas na época da pandemia. Se for provada a omissão, que ela seja processada por genocídio. Ela e tantos outros que tinham o dever de agir diante de tão grave situação.