O Brasil não podia ganhar!

Desta vez não foi tão humilhante como em 2014. Mas não poderíamos ir longe numa copa em que a camisa canarinha carrega simbolismos tão antagônicos. Lembremo-nos, o futebol teve um papel capital no processo de conquista da autoestima do povo brasileiro, resgatando-o do complexo de vira-lata, incutido pelos séculos de colonialismo predatório e escravagismo.

Da marcante atuação da seleção na copa de 1938, com o artilheiro negro Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”, até a conquista de 1958, com outro fenômeno negro, Pelé, foram duas décadas de busca da identidade miscigenada e até então segregada do brasileiro. Com as conquistas de 1962, 1970, 1994 e 2002 o futebol definitivamente emancipou-nos.

Depois veio o vexame de 2014. Alguns dizem que a humilhação dos 7x1 para a antes freguesa Alemanha foi um “carma coletivo instantâneo”. A justiça divina teria punido exemplarmente a elite brasileira presente ao estádio no jogo de abertura, que, menos de um mês antes, perpetrara o maior ato de injúria da história das copas, para com a presidenta Dilma Rousseff. Eleita legitimamente, ela era então uma governante empenhada num governo que priorizasse os pobres e reduzisse as abissais injustiças sociais que acometem o país. Foi vítima de um estrepitoso “Dilma, vai tomar no cu”, orquestrado pela elite ressentida e rancorosa por ver questionados o que considera seus privilégios seculares.

O vexame dos 7x1 não recaiu só sobre a elite no estádio que proferiu o coro vergonhoso. Recaiu sobre toda a nação, que não soube opor-se ao farsesco processo de afastamento de Dilma, consumado em 2016.

Agora, em 2022, o resultado não poderia ter sido outro que não novo tropeço da seleção canarinha. Até que ela foi longe! O futebol ainda voltará a representar a emancipação do povo brasileiro de sua algoz elite escravagista. Ainda haveremos de comemorar com festa e alegria popular a vitória da habilidade da ginga e do drible, que parece que só a miscigenação de raças e culturas foi capaz de engendrar. Expressão máxima do esporte bretão que nasceu elitista e segregacionista, e tornou-se o maior espetáculo mundial quando alcançou as várzeas e as massas.

A seleção de 2022, cindida como o povo brasileiro num cisma político-ideológico sem precedentes, não poderia ir mais longe. Voltaremos a conquistar um título quando a camisa canarinha voltar a representar um ideal de nação e de um povo libertos, e não a expressão de ressentimento de uma parcela da população inconformada e desinformada, que não quer abrir mão de seus sovinas privilégios, não quer compartilhar as riquezas que nunca se sacia de pilhar e acumular. Tal qual o craque que, cegado pelo egoísmo e o deslumbre, apesar de celebrizado não consegue jogar o jogo coletivo do time; tem sempre que jogar antes o jogo para si mesmo. E não percebe que ambos perdem, ele e o time.

Perde junto a nação, que enquanto não conseguir superar o egocentrismo de parte da população, vai amargando a espera. Mesmo com a melhor seleção do mundo, e o melhor país do mundo, ainda continuará perdedora.