AUTISMO PSICOLÓGICO
Minha educação foi forjada em um ambiente conservador. Por isso, mesmo na idade em que me encontro, ainda fico constrangido quando vejo homem com homem e mulher com mulher namorando em público. Não me acostumei com a ideia da liberação do aborto, a utilização legal das drogas, a tal política de gênero e outras coisas que fazem parte da vida moderna. Mas aprendi a tolerar e aceitar as coisas que não posso mudar, pois quem rema contra a corrente, já dizia o ditado popular, nunca vai para a frente.
A democracia implantada pela Constituição de 1988 tem pouco mais de trinta anos. Na escala da vida humana essa idade corresponderia à entrada de uma pessoa na sua idade madura. Na vida política de uma nação, no entanto, talvez seja uma fração exígua de tempo para exigir de um povo que nunca conseguiu manter um estado de direito por mais de cinquenta anos, um comportamento maduro. Já somamos sete Constituições em duzentos anos de vida independente, enquanto os Estados Unidos fizeram apenas uma e os ingleses, melhor ainda, até hoje vivem sobre a égide de uma carta escrita há cerca de oito séculos atrás.
O autista psicológico é uma pessoa que se torna surda e cega em relação a tudo que não esteja de acordo com suas crenças, desejos e valores. A tendência que toma conta da sua mente é a de um isolamento mental num mundo particular onde apenas o seu desejo é o que conta. Nele não entra nada que o contrarie. Daí ao desenvolvimento de sentimentos de ódio, repudio e até mesmo o ímpeto de suprimir com violência o adversário que contrasta os seus valores, é uma curta caminhada.
Grosso modo, o autismo psicológico é o que está sendo ocorrendo no ambiente político brasileiro. Já não temos uma polarização de ideologias políticas em embate. Se fosse isso seria bom, pois polos opostos em debate sempre proporcionam diversidade de ideias e faz o jogo democrático ficar mais dinâmico. Mas o que estamos presenciando hoje é radicalização, e isso não ajuda em nada a nossa jovem democracia. Até porque há muita gente, entre os radicais que estão de ambos os lados, que rasgaria com o maior prazer a atual Constituição e apoiaria com entusiasmo um golpe militar só para satisfazer o seu autismo.
Como já disse, também sou conservador e me vejo como liberal. Mas tenho uma mente suficientemente sã para não hospedar um comportamento de autista psicológico. Não acho que me isolar num mundo onde somente minhas crenças, desejos e valores merecem prevalecer seja uma atitude saudável. A História já nos deu provas suficientes de que visões unilaterais, estereotipadas, autoritárias e carregadas de ódio contra quem pensa diferente de nós são as principais fontes de onde fluem as grandes tragédias que assolam a raça humana. Temos que aprender a conviver com as nossas contrariedades. O contrário só nos dará um mundo cada vez mais povoado por autistas.