Separando o joio do trigo

De acordo com o Evangelho de Mateus, Jesus teria contado a parábola do homem que semeou o trigo em seu campo, mas durante a noite, enquanto todos dormiam, veio seu inimigo e semeou o joio em meio ao trigo. Joio e trigo cresceriam e formariam espigas ao mesmo tempo. Os servos perguntaram ao homem o que fazer, ao que ele respondeu: “Deixem que cresçam. Na hora da colheita, juntem primeiro o joio, amarrem-no em feixes, para ser queimado. Depois juntem o trigo e guardem-no no celeiro.” Mateus ainda escreveu que o homem esperou que as espigas se formassem para poder bem distinguir o joio do trigo. Se a separação fosse feita antes, haveria a possibilidade de confundi-los.

Estas polarizadas eleições de 2022, que acirraram os espíritos e têm provocado transtornos nunca dantes vistos, tiveram, por outro lado, o mérito de revelar as diferenças: quem é o joio a ser queimado, quem é o trigo a ser levado ao celeiro? Pudera fôssemos capazes, dois milênios depois, de compreender qual o exemplo de vida de Jesus, e qual o sentido das palavras proferidas em suas parábolas. Vamos relembrar, Jesus é considerado o filho de Deus, enviado para salvar a humanidade de seus erros. Sua mensagem foi de humildade, solidariedade, amor, esperança, verdade, justiça... Jesus seria um espírito de luz reencarnado entre os homens, para inspirá-los para o bem.

Atualmente as religiões de inspiração cristã ainda são as dominantes no mundo. Seus fiéis superam, em número, mesmo os adeptos das regiões asiáticas com as maiores populações do planeta. Mas os cristãos aprenderam e praticam os ensinamentos de Jesus? Se tivessem aprendido, não teríamos atualmente tantas guerras e conflitos, alguns ditos por diferenças religiosas. Não teríamos tanta injustiça na distribuição das riquezas que a generosa Mãe Terra nos concede. Não teríamos tanta miséria e tantos refugiados que procuram escapar da fome, da violência e da humilhação. Não teríamos a degradação dos mares, das águas doces, dos solos cultiváveis, das matas, da biodiversidade, da atmosfera que mantém o clima propício à vida no planeta. Não teríamos a indústria da guerra consumindo colossais recursos, que seriam suficientes para resolver todos os problemas da humanidade. Não teríamos a tecnologia que poderia nos irmanar e emancipar sendo utilizada para espalhar mentiras e nos manipular.

As eleições no Brasil mostraram dois lados: um é uma frente ampla que reúne, em nome da democracia, até adversários no campo econômico, unindo desde neoliberais que priorizam o mercado até aqueles que acreditam na economia administrada pelo Estado; outro que não aceita o resultado de eleições legítimas, compactua com uma indústria de mentiras, sente-se no direito de agredir e transtornar a vida de viajantes e moradores, e advoga a violência armada para defender suas crenças. Quem é o joio, quem é o trigo?

Se formos de fato cristãos, está na hora de separar o joio do trigo. Disso depende a colheita de uma sociedade fundada nos princípios de Jesus, que é sintetizada numa frase: “Amai a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a ti mesmo.” Podemos ainda pensar que muitas são as noções de quem, ou o quê, seja Deus. Mas parece haver consenso sobre qual a sua manifestação: a natureza. Amar a Deus pode ser entendido como amar a natureza.