O PERIGO DA INTOLERÂNCIA

 

A história é prodiga em exemplos de sociedades nas quais certas crenças contaminam o mundo social e servem de guias inquestionáveis para o comportamento de pessoas, que, numa análise simples e objetiva, parecem normais. Pessoas que afirmam acreditar em Deus, no valor da pessoa humana, num ideal de liberdade e até praticam, em suas vidas diárias, a filantropia como resultado do amor ao próximo, quando contrariadas em suas crenças, não hesitam em pregar, e até praticar violência contra aqueles que julgam estar no lado oposto a eles.

Temos vários exemplos de povos que enlouqueceram coletivamente por força de crenças absurdas que lhes foram incutidas por hábeis propagandistas. A Alemanha nazista é o mais recente e emblemático desses exemplos, pois seus catastróficos resultados repercutem até hoje e o eco dessas pregações odiosas ainda não foram diluídos. Vez ou outra renascem, na mente doentia de algumas pessoas, a noção de que algum grupo, em especial, é responsável pelas dores do mundo e que ele precisa ser suprimido a ferro e fogo. Os nazistas elegeram os judeus e os comunistas como os principais culpados pelas dificuldades que o povo alemão estava passando em determinada época da História e sua reação, dado o resultado que ela teve - o mais terrível genocídio de que se tem notícia - é bem conhecido. Mas parece que esse exemplo não tem servido muito de aprendizado para grupos extremistas que ainda agasalham em seus espíritos doentios a noção de que algum grupo, em especial, hospeda em si a semente do mal e precisa ser extirpado, como se fosse um tumor que, cedo ou tarde, comprometeria todo o organismo.

Tal é a ideia que contamina as atuais tendências políticas no Brasil. Primeiro foram alguns radicais de esquerda que lançaram o mote extremista do “nós contra eles”, e agora, como uma reação natural á essa idiotice, surge o libelo bolsonarista do “bem contra o mal” (amparado subliminarmente pela adesão do presidente á uma facção evangélica conhecida pelo seu apego à simonia). E a chamada esquerda (que de fato nem existe como força política no Brasil), foi eleita para ser a catalizadora desse ódio absurdo.

Toda tirania começa na cabeça de quem pensa que suas crenças e valores são mais verdadeiros do que aqueles professados por quem quer coisa diferente das que eles querem. E que as pretensões alheias são impeditivas para as suas. A crença se institucionaliza quando pessoas que assumem o poder tentam fazer delas uma política de estado. E para que isso aconteça, têm que, naturalmente, suprimir o que vem do outro lado. Quando conseguem, essas crenças tornam-se axiomas inquestionáveis que são utilizados para o embasamento de ordens morais e atitudes comportamentais condenáveis como as que estamos vendo no presente momento por parte de extremistas que não conseguem conviver com o fato de que perderam uma eleição e ficam buscando motivos para contestá-la a qualquer custo, ainda que isso possa levar o país à ruptura constitucional e à uma crise sem precedentes na história recente do país.

Mas graças a Deus temos instituições fortes e sadias, capazes de fazer frente a esse ridículo festival de inconformismo e intolerância que tomou conta de uma parte da população brasileira. As Forças Armadas, o Judiciário e o Congresso Nacional não entraram na onda dos maus perdedores bolsonaristas. Resta agora acalmar os ânimos e tocar para a frente. Quem ganhou que trate de justificar a escolha. Quem perdeu se conforme e se prepare para mostrar, numa próxima oportunidade que pode fazer melhor.