Negro de direita? Pobre de direita? Consciência de classe.

- Você é negro, pobre, e vota em político de direita?! Patético! Você não tem consciência de classe.

- Consciência de classe?! Que bagulho é esse?! Parece baseado de viciado.

- Não seja tolo. Você é negro.

- Eu sei. Olho-me ao espelho.

- Votar em político de direita! Você, um negro?!

- O que é que tem? Sou um homem livre. Em 1.888, a Princesa Isabel libertou meus tararavós.

- A direita odeia os negros.

- Quem diz que a direita odeia os negros?! As pessoas da esquerda. Compreensível. As pessoas da esquerda querem que todos votem nos políticos da esquerda, e não nos da direita, daí dizerem que a direita odeia os negros.

- A esquerda defende os negros, quer o bem dos negros, vê os negros como pessoas honradas e trabalhadoras; a direita, não.

- Quem diz isso? As pessoas da esquerda.

- Você não tem consciência de classe. Você não sabe o que é coletividade.

- Sou negro, sou livre.

- Você não sabe o que é bom para você.

- 'pera lá, amigão! 'pera lá! Você é branco, e é de esquerda. Que você diga que a esquerda é sinônimo de bondade, e a direita de maldade, entendo, afinal você é de esquerda. Você, um cara branco, quer me dizer o que é bom para mim, um homem negro? Quem é você, ô, branquelo, para me dizer que eu não sei o que é bom para mim?! Corrija-me, se eu estiver errado: provarei que sei o que é bom para mim se eu defender as idéias que você defende, seguir a ideologia que você segue, votar nos políticos que você vota. Estou certo?! Não posso pensar por mim, não?! É você que pensa por mim? É você que sabe o que posso e o que não posso pensar? Então, a minha referência intelectual, e moral, tem de ser você?! Antes de emitir qualquer pensamento, tenho de consultar você? Só com o seu aval, posso expor as minhas idéias?

- Você não é um homem livre. Você foi ideologizado pela superestrutura do capitalismo neoliberal.

- Que palavreado de gente doida.

- Além de negro, você é pobre.

- Pobre, negro, e honrado, com a graça de Deus.

- E ainda é cristão.

- Com o graça de Deus. Sou pobre, e porque pobre tenho de ser de esquerda? Sou negro, e porque negro tenho de ser de esquerda? Sou cristão. E porque negro e pobre não posso ser cristão?

- Você não tem consciência de classe.

- Que raios de consciência de classe?! Tenho de consultar a classe sempre que desejo decidir o que quer que seja a respeito da minha vida? Não posso pensar por mim mesmo? Ora, sei que o capitalismo não é a maravilha dos adeptos de tal sistema; tem falhas, incontáveis, eu sei. Mas o que os da esquerda oferecem como alternativa? Um sistema pior, tão pior que não me permite pensar por mim mesmo, fazer as minhas escolhas, certas ou erradas, não vem ao acaso, um sistema que me nega a minha individualidade, a minha liberdade de ser humano. Você, de esquerda, quer que eu pense os pensamentos que você pensa; você, de esquerda, diz respeitar os negros e os pobres, mas não se dispõe a ouvir o que negros e pobres, e negros pobres, têm a dizer. A verdade verdadeira é: você quer impôr aos negros e aos pobres, aos negros pobres, a sua visão-de-mundo, que é a da classe, a da coletividade, a sua. Você não é o dono da verdade. Você não é o centro do universo. Você não é o rei da cocada preta. Você não é a última bolacha do pacote.

- Você tem de entender...

- Stop! Não me venha com lero-lero sociológico do diabo-a-quatro, com a lenga-lenga revolucionária seja ela deste ou daquele espectro político e ideológico. Já entendi qual é a sua. Não se esqueça: respeite o meu lugar de fala. Além disso, você, um branco, pode dizer para um negro o que o negro é e o que o negro pode fazer de sua existência? Você, um branco, tem autoridade, seja moral, seja intelectual, para dizer para um negro à qual classe ele pertence? Quem é você para me dizer qual é a minha classe?! 'pera lá! Não me interrompa! Você já disse, em outras ocasiões, que cada pessoa tem o direito de se definir, e quer me definir, e me recusa o direito de me definir a mim mesmo?! Quanta incoerência! Você sabe que idéias você defende?

- Você não sabe qual é a sua classe.

- A minha classe é a minha pessoa, e não um grupo. Consciência de classe é uma prisão mental. Se eu penso, certo, ou errado, não vem ao acaso, acerca de política, por exemplo, uma idéia qualquer, seja a minha idéia de direita, de esquerda, de centro, de extrema-direita, de extrema-esquerda, de extremo-centro, pouco importa, eu a pensei, e a pensei, depois de conhecer idéias várias, de inúmeras vertentes de pensamento, e o fiz porque assim eu quis. Sou livre. A Princesa Isabel, a querida Princesa Isabel, com a Lei Áurea, libertou meus tataravôs, e hoje penso por mim. Agora, se estou a pensar acerca de política, antes de me decidir por esta ou aquela idéia, tenho de consultar a classe, a classe à qual eu pertenço? E à qual classe eu pertenço? A dos negros pobres? E quem faz a cabeça de tal classe? Quem diz quais são as idéias que as pessoas, desinvidualizadas, de tal classe têm de pensar, defender, apoiar? Quem autorizou certas pessoas a definirem o que a classe dos negros pobres pode pensar, e que idéia podem ter, e que políticas podem defender, e que políticos podem apoiar? Quem determina o que é a classe dos negros pobres? Quem? Pessoas negras e pobres? Você, que me diz que não tenho consciência de classe e quer que eu acredite que preciso ter consciência de classe e quer me impôr a consciência de classe que você diz que tem de ser a minha, você, um homem branco?! Você é da classe dos homens brancos? A consciência da sua classe concedeu a você autoridade para dizer aos homens negros e pobres o que eles podem pensar e em que políticos eles podem votar, e, mais ainda, à qual classe eles pertencem?

- Você nunca entenderá o que é consciência de classe.

- Se o mundo me mostra tal coisa, se eu vejo a tal coisa que o mundo me mostra, se eu entendo o que tal coisa é, eu tenho de consultar a minha classe para dela saber o que tal coisa, que o mundo está me mostrando, é, e, mesmo que o que a minha classe fale da tal coisa, eu percebo, não corresponde à tal coisa que o mundo me mostra, sou obrigado a negar o que vi, e entendi, e adotar como verdadeira a idéia, que a minha classe me deu, da tal coisa?

- Você jamais entenderá a idéia, que elimina injustiças sociais, da consciência de classe. Jamais.

- Ora, além de negro, e de pobre, e cristão, sou palmeirense. Pertenço à classe dos negros, ou à dos negros pobres, ou à dos negros pobres e cristãos, ou à dos negros pobres, cristãos e palmeirenses?

- Você não quer entender o que é consciência de classe. E foge do assunto. Você não sabe argumentar. Os maiores estudiosos da área de humanas, pessoas reconhecidas internacionalmente, professores universitários, intelectuais de altíssimo nível, autores de muitos livros, há décadas, em seus estudos de filosofia, economia, política, sociologia, antropologia, psicologia, detectaram os fenômenos socioeconômicos que expõem a superestrutura e a infraestrutura da sociedade que envolvem a consciência das classes operárias, proletárias, e a identificação de cada uma delas com a coletividade do movimento revolucionário de libertação.

- Não sei o que você deseja com tal palavreado. Sei que eu, um homem negro, e pobre, e cristão, e palmeirense, não tenho de consultar nenhuma coletividade, obrigatoriamente, para dela receber a licença para pensar esta ou aquela idéia acerca do assunto A, e do assunto B, e do assunto C.

- Você se recusa a reconhecer a importância de sua participação na classe à qual você pertence.

- Mãos à palmatória: diga-me à qual classe pertenço.

- À da direita você não pode pertencer. Você é negro e pobre.

- Porque negro e pobre eu posso ser cristão?

- A lógica interna do processo civilizacional burguês e fundamentalista cristão compreende a obrigatoriedade de toda pessoa humana se aprisionar fatalmente em uma determinada ecologia mental, que a rouba à justiça social, à sociedade possível, justa, e sem desigualdade social, e lhe extermina, fascista e nazista que é, e com elementos de genocídio, a sua consciência de pertencimento à classe social e econômica e proletária que sua condição racial e social determina cientificamente.

- Não entendi patavinas do que você disse, e nenhum esforço farei para saber qual é o significado das palavras que sua boca despejou aos ventos. Mas entendi onde você quer chegar: nenhuma pessoa tem o direito de pensar, certo ou errado, por si mesmo; toda pessoa tem de, obrigatoriamente, de pensar o que você e os seus querem que todos pensem acerca de todo e qualquer assunto. Liberdade?! Só existe para a pessoa que pensa o que pensam você e os seus.

- Você jamais entenderá...

- De fato, jamais entenderei o que entendo do que você entende que eu entenda entender do que você entende que eu entender não entenda, se eu, entendendo o que você não entende que entendo do que você entende que eu entenda, entendi o que você não entende que eu entenda, que é o que você não entende que eu entender entendo sem entender que você entende...

- Você não leva o assunto a sério.

- Não sei mais o que penso, tampouco o que digo. O que me vai pela cabeça, meu Deus! Que doideira!

- Lamentável! Lamentável que você não sabia qual é a sua consciência de classe.

- Sou negro, e pobre, e cristão, e palmeirense. E pedreiro, filho de pedreiro e de cozinheira. E neto de carpinteiro, de pedreiro, de costureira, de dona-de-casa. E sou fã do Neymar, do Messi, e do Morgan Freeman, do Clint Eastwood, da Gal Gadot, e do Roy Thomas, do John Buscema, do Carl Barks, e do Nikola Tesla, e da Inezita Barroso, e do Patativa do Assaré. Qual é a minha consciência de classe? Não sei, não quero saber, e tenho raiva de quem sabe. Ah! Esquecia-me: Gosto de pastel de carne de frango e de colecionar álbuns de figurinhas da Copa do Mundo, de preferência completos.

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 14/10/2022
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