Acorda, Brasil!

“Deitado eternamente em berço esplêndido

ao som do mar e à luz do céu profundo”

Qual teria sido a intenção do compositor Francisco Manuel da Silva com estes versos do hino nacional do Brasil, escrito em 1831? Talvez o “deitado eternamente” se referisse à vastidão do país, que naquela época ainda tinha litígio de fronteiras com vários vizinhos da América do Sul? O “eternamente” seria então um vaticínio de que nunca arredaríamos pé do extenso território, conquistado ao longo de séculos de ruptura de tratados internacionais, tornados caducos pelo afã de conquista de gananciosos desbravadores? Talvez o compositor tivesse a intenção de que o hino abençoasse a futura longevidade do berço esplêndido e grandioso abraçado pelo mar e acariciado pelo sol?

O Brasil era então um país cujo futuro espelhava a grandeza de seu território, ainda em consolidação. Hoje, duzentos anos depois, continuamos sendo um país com promessas para o futuro, que ainda não concretizou como nação forte a vastidão e a riqueza de seu território. Tem-se repetido por aqui e pelo mundo afora: poucos países (EUA, China, Rússia, Índia e Brasil) reúnem três atributos que os credenciam para se tornarem potências mundiais ─ extensão e riqueza territorial, tamanho da população e valor do produto interno bruto. O Brasil ainda teria virtudes adicionais: uma mescla de povos que tende a tornar a população tolerante com a diferença, uma língua única em todo o vasto território, a religião de inspiração cristã predominante. Mas há também quem diga que falta ainda ao nosso país um outro atributo, essencial, sem o qual um gigante nunca acordará: a educação e seus desdobramentos, a cultura, a pesquisa científica, o avanço tecnológico e a civilidade. Por outro lado, com educação eficaz mesmo pequenos tigres asiáticos tornam-se potências mundiais.

Decerto vários fatores somaram-se para tornar-nos o gigante que hesita acordar: o colonialismo extrativista predatório, a independência proclamada pela corte imperial, a delongada escravatura, a república proclamada por militares a serviço das oligarquias escravagistas ressentidas, um histórico de golpes que depuseram governos nacionalistas legítimos pare entronizar tiranos entreguistas... No arranjo mundial do final do século XX e início do XXI, quando ameaçamos acordar e nos levantar, fomos mantidos submissos pelo “espectro da total dominação”, que visa a consolidação do império estadunidense, o qual não tolera o aparecimento de novos polos de desenvolvimento regional que possam competir com sua ambicionada hegemônica supremacia. Os EUA impõem globalmente a soberania do mercado financeiro, e não a soberania dos povos e nações.

Algumas das táticas para manter o gigante deitado eternamente em berço esplêndido são antigas, conhecidas e ainda eficazes. A principal delas é o axioma “dividir para conquistar”. É estratégia usada amiúde ao longo da História pelos impérios coloniais mundo afora. Entre nós, essa tática parece ter sido robustecida nas últimas décadas, justamente quando esboçamos a intenção de acordar. Nunca antes nos dividimos tanto, agora estimulados pelas tecnologias de desinformação que destilam ódio e jogam irmãos contra irmãos. Outras táticas existem: os assassinatos econômicos de nações não submissas, os embargos criminosos, os assassinatos reais de lideranças locais refratárias à dominação estrangeira, as revoluções coloridas, as guerras cognitivas, as guerras jurídicas (lawfare), as guerras por procuração...

Para nos levantarmos é preciso primeiro atinarmos que somos o gigante deitado e adormecido, para, enfim, despertarmos; e então enxergar quem nos mantém submissos, quem nos divide, e procurar união naquilo que nossa grandeza nos promete: uma nação forte, soberana, comprometida com a prosperidade de seu povo.