Fatos que não devemos esquecer: O apagão de dados da COVID em 2020
Foram tantos absurdos nos últimos 4 anos, um atrás do outro, que acabamos por ficar anestesiados com eles, ou, ainda pior, esquecermos deles. Mas em um momento importante como as eleições que se aproxima devemos nos esforçar em relembrar, para conseguirmos analisar o passado recente e tomar decisões sábias não apenas nas urnas, mas principalmente após elas, para evitarmos que erros similares se repitam.
O primeiro absurdo que quero destacar foi o apagão de dados promovido pelo Governo Federal em meio ao momento mais grave até aquele momento da Pandemia de Covid no Brasil. Estamos falando de junho de 2020. A situação era inédita, com a média de mortos por dia próxima a 1.000 óbitos. E desde a saída do Ministro Mandetta, o Ministério da Saúde deixara de fazer entrevistas coletivas diárias.
Até maio o Ministério da Saúde divulgava os dados consolidados de mortos e contagiados do dia as 19:00 hs. No início de junho por vários dias seguidos o Ministério atrasou os dados para até as 22:00 hs.
No dia 5 de junho de 2020 Bolsonaro foi questionado acerca deste atraso no “cercadinho”, e para a surpresa de todos declarou “Acabou matéria do Jornal Nacional” e “Ninguém tem de correr para atender a Globo”. A explicação oficial apresentada posteriormente foi que era necessário um prazo maior para consolidar os dados. Mas nenhuma explicação foi dada sobre como por meses os dados foram liberados sem problema as 19:00 hs. E ainda pior, nos meses subsequentes os dados voltaram a ser divulgados no horário convencional.
Ficou claro que o Governo Federal se incomodava com o número de contaminados e mortos ser a principal notícia do dia, vinculada com destaque por toda imprensa, em especial na Rede Globo. A saída encontrada não foi tentar combater a pandemia, e sim dificultar a imprensa de divulgar os números. A reação do canal de TV foi simples: assim que os dados eram divulgados, a Globo fazia boletins especiais longos e detalhados, não importando o horário.
O segundo passo do Governo Federal foi ainda pior. No mesmo dia o Ministério da Saúde alterou a forma de divulgar os números da pandemia. Após 19 horas fora do ar, o site do Ministério deixou de fornecer os números consolidados e o histórico da pandemia, passando apenas a divulgar os casos e mortes de Covid registrados no próprio dia. Além disto foram cortados os links para os downloads dos dados em formato de tabelas, dificultando o controle e análise por parte da imprensa e da comunidade civil.
O pior ponto foi que o governo afirmou que iria apenas divulgar as mortes confirmadas como ocorridas no dia corrente. Como muitos testes demoravam para serem analisados e consolidados, era comum que só se confirmasse a causa da morte por Covid por dias ou até semanas depois. Caso se optasse por divulgar apenas as mortes comprovadamente ocorridas no dia corrente, isto geraria uma constante e inevitável subnotificação.
Enquanto todo o mundo contabilizava as mortes que foram confirmadas naquele dia como sendo de Covid, não importando o dia do óbito, o Governo Federal tentava varrer para debaixo do tapete um enorme número de mortos por uma manobra estatística.
O Brasil ficou perplexo. Inicialmente tanto o Congresso Nacional quanto o TCU começaram a se mobilizar para fazer uma contagem paralela a do Ministério. Mas quem foi mais ágil para exercer a função de informar corretamente a população com dados de saúde pública foi a imprensa brasileira. Ou seja, a imprensa assumiu um serviço público para si.
Jornalistas do G1, o Globo, Extra, Estadão, Folha e Uol passaram a coletar os dados nas Secretarias de Saúde Estaduais e consolidar os dados por contra própria.
Mesmo assim o Governo persistiu nesta estratégia por meses. Lembro de em novembro discutir com colegas bolsonaristas acerca da Segunda Onda de contaminação que estava chegando. Este meu colega insistia que a Segunda Onda era uma ilusão, pois se pegasse os dados oficiais do governo, contabilizando apenas as mortes que ocorreram comprovadamente na data corrente, todas as curvas estatísticas demonstravam uma queda significativa de casos e mortes. Infelizmente dezembro de 2020 deixou mais que claro que a Segunda Onda era real.
Que lições devemos gravar e nunca esquecer deste macabro episódio? Que o discurso bolsonarista de ataque a imprensa produtora de fake news, do conspiração de todos os orgãos da imprensa contra ele, é apenas uma estratégia para dificultar que o povo tenha acesso as informações. Nada mais característico de um governo autoritário atacar a imprensa.
Bolsonaro por um lado acusava a Globo, entre outros, por fazerem manchetes sensacionalistas, ganhando dinheiro com manchetes sangrentas, enquanto por outro manipulava os dados para maquiar a realidade da pandemia.
Curiosamente os programas policiais sensacionalistas, que adoram humilhar criminosos nas delegacias e promover um discurso de bandido bom é bandido morto sempre agradou aos bolsonaristas. Mas noticiar um número de mortos inédito na história do país em meio a uma pandemia seria sensacionalismo e banalizar a violência.
Por mais enviesada, manipuladora ou até incompetente que seja a imprensa de um país, sempre desconfie quando um governo começa a atacar de forma metódica a confiabilidade ou até o exercício da imprensa. Bolsonaro o fez durante uma pandemia, quando informações corretas literalmente era caso de vida e morte.
E por pior que seja a imprensa brasileira, foi o Consórcio de Órgãos da Imprensa Brasileira que impediu que atravessássemos uma pandemia sem qualquer tipo de dados confiáveis.