Luta de classes e o roubo do seu protagonismo pelo ativismo antirracista//liberalismo identitário

Antes da ascensão da "esquerda cultural", a partir das revoluções dos direitos civis nos anos 60 e 70, a esquerda focava sua luta no combate às desigualdades sociais, a mais importante/mais popular de todas as lutas, por ser a base para as outras injustiças. Então, com o sucesso da "nova esquerda", na maioria dos países ocidentais, essa pauta passou a ser eclipsada por demandas emergentes e específicas, oriundas desses movimentos: antirracista, feminista, LGBTQ, anticapacitista, ecológica...

Mas o ideal seria que tivesse acontecido uma agregação dessas ''novas' lutas e não que substituíssem a mais importante...

Pois imagina se você tem um exército que luta unido e, de repente, se divide em vários setores que passam a lutar sozinhos e seu líder ainda perde a autoridade sobre as tropas??

Se antes, a maior parte da esquerda enfatizava apenas a exploração econômica, especialmente da classe trabalhadora, agora, enfatiza as desigualdades/injustiças raciais, de gênero e de outras naturezas.

Essas lutas têm obtido grande êxito, tal como a emancipação da mulher, a descriminalização da diversidade sexual e uma relativa diminuição nas desigualdades raciais, principalmente nos EUA. No entanto, as estruturas dominantes do sistema capitalista, diretamente responsáveis pelas desigualdades sociais, têm permanecido praticamente intactas, com algumas exceções, tal como nos países escandinavos.

Isso é o mesmo que combater os sintomas de uma doença curável sem querer se curar totalmente dela.

Das pautas identitárias, a antirracista é a que mais tem roubado o protagonismo natural da luta de classes, se existe uma grande sobreposição das diferenças sociais com as raciais ou étnicas. Pois mesmo sendo verdade que as populações negras são desproporcionalmente afetadas pela pobreza, ela também afeta muitos indivíduos de outras raças. Por exemplo, a existência de milhões de brancos pobres no mundo, inclusive no "nosso' país. Além disso, a maioria dos de classe média, brancos ou não, também não desfrutam de um padrão de vida seguramente confortável. Pois, ao invés de um racismo estrutural, de uma cadeia anti-meritória de favorecimentos em que indivíduos (brancos, a maioria??) favorecem, conscientes ou não, outros indivíduos com base em sua raça, no mercado de trabalho e em espaços de poder, o que continua a existir é o classismo estrutural, se os principais critérios usados para esse intento são: classe social, proximidade de convívio e convergência de interesses... E não é difícil percebê-lo, bastando olhar para as diferenças salariais exorbitantes entre as profissões de diferentes classes sociais, que não foram estabelecidas por providência divina, mas por decisões arbitrárias entre os mais interessados em manter privilégios para si mesmos, sem participação e contemplação de todos os envolvidos.

Não estou descartando a existência de favorecimentos com base na raça, mas não representam a maioria desses favorecimentos e não acontecem apenas entre brancos ou eurodescendentes, por exemplo, as comunidades de imigrantes asiáticos, em países como Canadá e EUA, que dominam um certo ramo de serviços e praticam uma espécie de "nepotismo étnico" pois buscam empregar apenas os seus em seus negócios.

Ainda assim, essa suposta "nova esquerda" está mais preocupada em cooptar o capitalismo para que atenda as suas demandas específicas de grupos do que combatê-lo de frente, até porque também tem sido muito conveniente pra ela... Como conclusão, as lutas progressistas, sob grande hegemonia dos identitarismos, têm seu foco desviado das elites políticas e econômicas, as maiores responsáveis e beneficiadas com as desigualdades sociais, para bodes expiatórios de grupos abstratos, principalmente os brancos...

Me parece que, uma das razões para essa mudança suspeita se deva ao fato de que o núcleo de influência e articulação desta esquerda gourmet seja composto principalmente por acadêmicos e artistas (famosos ou ricos), isto é, por indivíduos ditos " politicamente engajados" que pertencem a grupos de elite ou de privilégio, pejorativamente chamados de "esquerdistas caviar".

Esquerda??

Uma esquerda que não tem como foco principal de sua luta a questão de classe não pode ser considerada como tal. Mesmo uma social-democracia, de fato, ainda busca combater as desigualdades sociais. Por isso parece mais correto chamá-la de "identitarismo liberal".

Um exemplo notório de como essa "esquerda' opera é por sua defesa por sistema de cotas raciais e/ou de outros grupos.

Não que eu seja totalmente contrário a essa medida, mas não parece que irá resolver o problema das desigualdades sociais, por definitivo, se não acontecem apenas de um grupo racial para o outro, mas também dentro dos grupos. Porque o mais importante não é apenas que um grupo racial esteja em grande desvantagem em relação a outro, mas que indivíduos, de qualquer grupo, estejam, que existam privilegiados e oprimidos/explorados. Outro problema é que os sistemas de cotas se limitam a atender uma minoria da população, que consegue passar em concurso público ou universidade, já que a maioria, que trabalha em profissões mais humildes e/ou não tem capacidade de se especializar em profissões mais cognitivamente exigentes, continuará sofrendo com salários baixos/injustos, que não acompanham o aumento do custo de vida, e com uma rotina de abusos trabalhistas. O sistema de cotas é uma medida no máximo paliativa porque não ataca as origens dos problemas sociais: diferenças salariais absurdamente grandes/desigualdades entre as classes e déficit na oferta de vagas de emprego em relação à sua demanda.

O protagonismo das pautas identitárias, especialmente a antirracista, ainda tem sido explorado por muitos indivíduos socialmente privilegiados, por exemplo, certas "celebridades" que, intencionalmente ou não, contribuem para voltar toda discussão sobre as injustiças sociais nas questões raciais, sexuais e de gênero, ao invés de também considerarem a questão de classe, se seria o cúmulo da hipocrisia, além do que já fazem, de criticarem as elites burguesas por seus privilégios extravagantes e/ou injustos, se a maioria dessas tais celebridades, além de também serem socialmente privilegiadas, pouco ou nada fazem de concreto para combater as mazelas causadas pelo capitalismo, tal como a adoção de hábitos ecologicamente sustentáveis e contribuição generosa à causas sociais ou mesmo individualmente. Daí tornou-se comum, por exemplo, vermos apresentadores de televisão, que ganham dois milhões de reais por mês, usando seus espaços na mídia para dar lições sobre racismo, machismo ou homofobia, enquanto se calam sobre o absurdo dos seus próprios salários...

Mais um Thiago
Enviado por Mais um Thiago em 16/04/2022
Reeditado em 08/10/2023
Código do texto: T7496332
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