A Ucrânia hoje é o Brasil de amanhã?

Em 2010 A Ucrânia elegeu o presidente Viktor Ianukovytch, pró-Rússia. A partir de então, grupos neonazistas e de ultradireita foram incentivados e financiados no país. Um exemplo recente de guerra híbrida. Ela inclui a guerra cognitiva e as milícias armadas, quando um país com governo não submisso aos EUA é levado à desordem interna e à guerra civil, visando submetê-lo ao insaciável apetite imperialista hegemônico do Tio Sam. Concretização do atávico e centenário “destino manifesto”, a crença, desde os pioneiros, de que os estadunidenses estão fadados a dominar o mundo. Ianukovytch foi enfim deposto no início de 2014, e refugiou-se no exílio.

A Ucrânia tem a particularidade de ser vizinha e historicamente ligada à Rússia, outra potência nuclear à altura dos EUA. E a Rússia não quer aceitar Tio Sam intrometendo-se ainda mais em suas fronteiras. Cabe perguntar: a Rússia é outra nação buscando expandir-se hegemonicamente pelo mundo? Ou é o grande império que sempre foi, buscando preservar-se e defender-se de agressores? Ela já foi vítima de invasões ao longo da história, as mais recentes e marcantes perpetradas por Napoleão em 1812 e por Hitler em 1941.

A Ucrânia elegeu o presidente pró-Tio Sam Volodymyr Zelensky em 2019, como resultado de uma das mais espetaculares vitórias da guerra cognitiva. A associação de tecnologia cibernética mais controle da mídia conduziu a manipulada e confusa população a escolher um comediante autoproclamado antissistema, fantoche dos EUA, para conduzir o país através da aguda crise, o lance seguinte no jogo de poder das duas maiores potências militares do planeta. Deu no que deu. Não se pode justificar a guerra, a maior estupidez da humanidade. Mas a Rússia foi obrigada a ir a ela, sob pena de tornar-se o menino acovardado pelas ameaças de bullying do valentão e seu bando. Guerra que os EUA provocaram e já venceram, ao obrigar a Rússia a combater nas suas fronteiras.

E o Brasil? Nosso país é um dos cinco do mundo, junto com EUA, China, Rússia e Índia, que reúne extensão em área, população e tamanho da produção econômica que o credenciam para tornar-se uma potência mundial, como já são os outros quatro. Em 2002, depois em 2006, 2010 e 2014, elegemos governos que tiveram a pretensão de despertar-nos do sono do gigante deitado eternamente em berço esplêndido. Foram feitos esforços para emancipar e fortalecer o Estado, implementar políticas sociais para diminuir a fome, empregar plenamente e melhorar salários de trabalhadores, democratizar o acesso à educação superior, investiu-se na pesquisa científica e na nacionalização.

O esforço para tornar o país soberano incluiu a criação do BRICS, a aliança econômica justamente de Brasil, Rússia, Índia, China e mais a África do Sul. Ela tinha o objetivo de livrar seus membros do tirânico mando do Tio Sam nas transações econômicas internacionais. Nesse meio tempo o Brasil ainda descobriu o pré-sal, as maiores reservas petrolíferas encontradas nas últimas décadas. Ou seja, o Brasil tornou-se, como a Ucrânia em 2010, um país estratégico querendo escapar do domínio dos EUA e flertando com a Rússia e outros gigantes.

Repetiu-se o roteiro. A guerra híbrida começou em 2013. Manifestações de rua, deflagradas supostamente em revolta à tarifa do ônibus, logo descambaram para rebeliões contra o governo eleito. Ao mesmo tempo, viu-se uma orquestrada sabotagem por parte de políticos e empresários submissos ao poder do mercado transnacional, que emperraram a economia e o Estado. O golpe consumou-se em 2016, depôs o governo eleito em 2014. Em seu lugar foi entronizado um governo testa de ferro, fiel ao propósito de manter o Brasil como colônia exportadora de matérias primas baratas, agora inclusive o petróleo do pré-sal. Enquanto os preços dos derivados, por aqui, nunca tenham estado tão altos. E reconstituiu-se o exército de desempregados desassistidos, que permite ameaçar de sumária demissão e substituição qualquer associação de trabalhadores que ouse organizar-se para exigir direitos e frear a política de precarização do trabalho.

O lance seguinte no Brasil foi eleger o ex-capitão miliciano para a presidência, outro suposto político antissistema. Ele foi a aposta de Tio Sam para impedir-nos de voltar a eleger um governo que desafie o mando estadunidense. Os ultradireitistas tupiniquins já estão sendo armados há anos, para a eventualidade de desencadearem-se aqui as mesmas barbaridades que foram, e estão sendo perpetradas na Ucrânia, ainda agora, durante a guerra.

A diferença é que o Brasil não faz fronteira com a Rússia. Vamos ter de nos defender das milícias ultradireitistas pró-Tio Sam com nossos próprios recursos. Que logremos realizar isso sem chegar à guerra civil, para a qual o ensandecido desgoverno atual nos conduz. Para evitar tal desastre, basta um mínimo de discernimento, de comprometimento e de coragem da grande maioria da população. Aqueles que não são nem ultradireitistas nem milicianos, e que têm o sonho de ver um Brasil democrático e soberano.