Sobre o esquerdo-burguês

Ele é mais que um socialista de iPhone. Ele também é um socialista de McDonalds, de marcas de luxo, de privilégios... o tipo que, consciente ou não, contribui com o ''fast fashion'', a obsolescência programada, as desigualdades de acesso a certos produtos, enfim, que acaba legitimando as injustiças do capitalismo ...

Só que o maior problema ainda não é cometer contradições, se elas são inevitáveis, ainda mais para nós, progressistas, vivendo em um mundo capitalista. Mas, na prática, ser tão diferente do discurso que prega e acabar idêntico a um burguês típico, de direita: individualista, egoísta e materialista.

Portanto, comprar um iPhone é uma coisa, uma ostentação isolada. Já transformar a ostentação num hábito e, com nenhuma preocupação pelo que isso significa ou sustenta, sem buscar por equilíbrio ou coerência, é outra coisa.

O esquerdo-burguês tenta conciliar sua conscientização política e social com o seu bem-estar individual dentro de um contexto de hegemonia capitalista, sem que um sacrifique o outro, assim como todo progressista. E com o agravante de que ele apresenta um padrão de vida confortável. Só que, por hipocrisia ou comodidade, acaba se limitando mais ao discurso do que à prática.

Essa é uma tentativa de crítica construtiva sobre um tipo que, por mais superficial ou contraditória seja a sua identificação com os valores das esquerdas, ainda não chega ao nível de indecência moral de quem se diz orgulhoso de ser conservador tradicional, liberal e/ou capitalista. Afinal, pelo menos ele vota em partidos de esquerda que, geralmente, apresentam propostas mais sensatas do que os de direita, critica preconceitos irracionais e tem até aquele esquerdo-burguês que ajuda parentes, amigos... Claro que o ideal seria se ele continuasse a atacar suas contradições, processo que deixa por incompleto, e fosse se tornando mais ativamente coerente com os valores progressistas.

Por outro lado, tem o esquerdo-burguês que não é apenas um socialista de iPhone mas também de fachada. Esse, além de indiferente aos problemas sociais e à sua capacidade de ajudar com os recursos de que dispõe (parece que tem muitas "celebridades engajadas" que se enquadram nesse tipo), usa a esquerda como uma marca de grife para se passar como moral e intelectualmente superior aos outros, inclusive buscando pelos benefícios que pode angariar para si com o seu ativismo abstrato.

Ser progressista ou despertar a consciência quanto aos problemas sociais/morais do mundo não é um caminho fácil. Por isso que é sempre importante tentar conciliá-la, da melhor maneira possível, com essa realidade, por agora bem longe do ideal. E parar de dar plena legitimidade às desigualdades do capitalismo, mas sem precisar acabar num mosteiro como um monge franciscano, é um passo importante. O problema maior, como já foi concluído acima, não é comprar um iphone, exatamente, mas de nunca tentar compensar privilégios por outros meios.

Mais um Thiago
Enviado por Mais um Thiago em 27/02/2022
Reeditado em 29/06/2022
Código do texto: T7461427
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